Tolerância zero também foi chamada de choque de polícia. Neste formato, autoridades policiais podem agir de maneira discricionária, para coibir a atividade criminal (Amr Alfiky/Reuters)
Agência Brasil
Publicado em 23 de junho de 2018 às 11h56.
Não são apenas os países em desenvolvimento que enfrentam há décadas problemas graves de segurança urbana. Nos anos 1980 e 1990, a violência também atingiu índices alarmantes em metrópoles dos Estados Unidos. Para superar o que foi caracterizado como "epidemia de crimes", cidades como Nova York e Chicago adotaram a política de tolerância zero.
O sistema baseou-se no princípio da repressão inflexível a crimes menores para promover o respeito à legalidade e promover a redução de crimes. O modelo divide opiniões nos Estados Unidos sobre sua efetividade e consequências relacionadas ao aumento da população carcerária e a casos de abuso policial.
Em Nova York, os assassinatos diminuíram 61% e a prática de crimes em geral caiu 44%, depois da aplicação da política iniciada em 1994, durante o mandato do então prefeito Rudolph Giuliani. A iniciativa aumentou o policiamento ostensivo nas ruas e as punições a contravenções e crimes menores, como não pagar transporte coletivo ou consumir bebidas alcóolicas nas ruas.
A tolerância zero também foi chamada de choque de polícia. Neste formato, autoridades policiais podem agir de maneira discricionária, para coibir a atividade criminal.
O conceito que deu origem ao modelo de segurança pública tolerância zero foi a teoria das Janelas Quebradas, um texto publicado em 1982 pelo cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminalista George L.Kelling, na revista Atlantic Monthly.
O argumento dos autores considera um prédio com algumas janelas quebradas. Eles defendem que, se elas não forem reparadas, a tendência é que os vândalos quebrem mais algumas janelas. Eventualmente, o prédio pode até mesmo ser invadido se estiver desocupado, como efeito do aspecto de depredação.
Os autores usaram essas imagens para explicar que a criminalidade pode aos poucos se infiltrar em uma comunidade, provocando sua decadência e destruição.
Para os dois autores, se uma janela quebrada não for imediatamente consertada, as pessoas que passam pela rua podem pensar que ninguém se importa com o local e, portanto, não há um responsável ou autoridade para manter a ordem.
A premissa das janelas quebradas é: "Pequenas desordens levariam a grandes desordens e, mais tarde, ao crime".
Essa teoria sustentou políticas de segurança pública em diversas cidades. Além de Nova York, Chicago e Houston também tiveram modelos de "choque de segurança".
A maioria dessas cidades adotou o modelo após a década de 1980, quando a criminalidade alcançou altos índices em várias regiões dos Estados Unidos. Os defensores da tolerância zero apontam a efetiva redução dos crimes, enquanto os críticos afirmam que o problema desse modelo é tratar questões sociais pelo enfoque da segurança.
Ou seja, há redução de crimes e contravenções cometidos por segmentos sociais desfavorecidos, mas o formato não é efetivo para o combate aos crimes de corrupção, por exemplo.
Os críticos também argumentam que a diminuição da violência em algumas cidades teve muito mais relação com o aumento da quantidade de jovens com acesso a empregos e melhoria de renda do que com a aplicação de um choque de segurança, por si só. Outro aspecto condenado pelos críticos é o fato de que esse formato alimenta padrões rígidos e moralistas de comportamento em populações diversas.
O termo tolerância zero também foi usado na política de prevenção de drogas e para argumentar que a Justiça penal tem um papel importante no enfrentamento ao uso de substâncias ilícitas.
Alguns analistas afirmam ainda que há mais violações por parte da força policial quando uma política de tolerância zero é aplicada. Para esta corrente de pensamento, o policiamento com tolerância zero vai contra os preceitos da polícia comunitária e a lógica da prevenção.
Por último, alguns estudos relacionam o aumento da população carcerária americana à adoção do modelo. O país tem a maior população de pessoas presas do mundo: são 2,3 milhões de detentos, segundo os números do Departamento de Justiça dos Estados Unidos de 2016.
O crescimento, de acordo com estudo divulgado pelo Sentencing Project (Projeto Condenação) em 2016, baseado em números oficiais, foi de 500% em 40 anos. O projeto defende mudanças no sistema penal e aponta que a superpopulação carcerária do país tem como uma das causas a adoção da tolerância zero pelas polícias nas últimas décadas.