Pesquisadores acreditam que em cerca de dez anos a planta terá de mudar seu nome para “cana-energia” (Divulgação/EXAME)
Da Redação
Publicado em 13 de novembro de 2012 às 16h13.
São Paulo - Dentro de uma década, a cana-de-açúcar poderá ser uma planta muito diferente. Mais resistente à seca e menos dependente de fertilizantes e defensivos. Com maior teor de fibras e uma parede celular mais fácil de ser rompida para favorecer a obtenção de etanol também do bagaço. Teor de sacarose maior ou menor, de acordo com a necessidade de uso.
No que depender dos projetos de melhoramento conduzidos no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), em cerca de dez anos a planta terá de mudar seu nome para “cana-energia”.
“Nosso objetivo maior é aumentar a produção de etanol e de biomassa com o menor impacto ambiental possível. E isso inclui o adequado uso da terra, da água e redução das emissões de poluentes”, disse Glaucia Mendes Souza, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da coordenação do BIOEN.
Nos dias 6 e 7 de novembro, durante o “Workshop BIOEN de Pesquisa”, Souza e outros pesquisadores que integram o programa apresentaram um panorama dos principais resultados alcançados nos últimos quatro anos.
Desde 2008, quando o BIOEN foi criado, 89 auxílios à pesquisa foram conduzidos ou iniciados, favorecendo em torno de 300 cientistas brasileiros e colaboradores internacionais de 15 países.
Segundo Souza, isso resultou em, até o momento, 427 artigos publicados em revistas internacionais, 53 teses de doutorado e 109 dissertações de mestrado defendidas, além de 17 patentes e um software que deverá facilitar a compreensão do complexo genoma da cana.
Atualmente, o programa conta com 83 projetos em andamento. Além dos esforços de melhoramento assistido por ferramentas moleculares, há grupos dedicados a encontrar microrganismos mais eficientes para fermentar a biomassa. Outros buscam a melhor forma de pré-tratar o bagaço e prepará-lo para a produção do etanol celulósico.
Também há pesquisadores dedicados a diminuir os impactos ambientais e sociais da produção de biocombustíveis. Uma das divisões do BIOEN trabalha no desenvolvimento de motores flex mais eficientes.
Há ainda projetos que buscam a obtenção de biocombustíveis a partir de óleos vegetais e propõem usar os resíduos do processo para fabricar produtos químicos de alto valor agregado, como glicerol.
“O BIOEN tem um escopo amplo. Há expertise de muitas áreas diferentes tentando resolver os problemas da bioenergia”, disse Souza à Agência FAPESP.
Segundo ela, a área de biotecnologia é uma das mais avançadas. “Temos os marcadores e a estatística genética. Toda a plataforma desenvolvida para achar e testar os genes está dando resultados”, disse.
Embora já seja possível criar em laboratório uma cana transgênica, com mais sacarose ou menos lignina – material estrutural que envolve a celulose e dificulta sua fermentação –, ainda é preciso transformar essa planta em um cultivar que mantenha as características agronômicas desejadas pelo setor produtivo.
“É preciso avaliar tudo de novo. Para ver se os genes modificados não vão alterar características desejáveis da planta ou diminuir a resistência a pragas, por exemplo. São projetos de médio e longo prazo, pois antes do BIOEN não existiam ferramentas biotecnológicas para melhoramento da cana”, disse Souza.
Para Paul Moore, pesquisador do Centro de Pesquisa em Agricultura do Havaí, nos Estados Unidos, e membro do Conselho Consultivo Internacional do BIOEN, alguns dos resultados apresentados no workshop estão de fato na fronteira do conhecimento.
“Estou muito orgulhoso pelo que os brasileiros alcançaram em tão pouco tempo. Todo o esforço feito para desvendar e alterar a estrutura da parede celular da cana, descobrir enzimas e microrganismos capazes de converter a biomassa em energia. Isso é muito excitante e não existe em outro lugar do mundo”, destacou.
O grande desafio para os pesquisadores do programa, na avaliação de Moore, será conectar a ciência fundamental à ciência aplicada e criar uma ponte que permita transferir esse conhecimento para uso industrial.
Essa também é a opinião de Patricia Osseweijer, professora da Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, e integrante do Conselho Consultivo Internacional do BIOEN.
“Fiquei realmente impressionada com os trabalhos de pré-tratamento do bagaço para produção de etanol de segunda geração. Mas ainda não temos uma metodologia vencedora”, disse Osseweijer.
Segundo a cientista, para que o Brasil assegure sua posição de liderança, tanto na área científica quanto na produção de etanol, será preciso investir em projetos para demonstrar que a tecnologia desenvolvida em laboratório também funciona em grande escala.
“Criar pilotos é a parte mais custosa do processo de transformação do conhecimento científico em tecnologia. Nem mesmo a indústria, muitas vezes, consegue arcar sozinha. É preciso pensar em uma maneira de unir diversas empresas e universidades para dividir os riscos e os investimentos”, disse Osseweijer.
De acordo com os dados apresentados por Souza durante o workshop, há oito projetos sendo conduzidos no âmbito do BIOEN em parceria com empresas como Vale, Oxiteno, Braskem, Boeing e Microsoft.
“Há diversos projetos começando por meio do Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) da FAPESP. Talvez seja uma questão de tempo para mostrar que essas tecnologias realmente funcionam”, disse.
Souza também acredita que o BIOEN está no momento de transformar os conhecimentos em processos de alto desempenho. “Se não oferecer menor consumo de energia e de água e menor emissão de poluentes, não vai adiantar. Também não adianta ser altamente tecnológico e difícil de implantar em um país em desenvolvimento”, ponderou.
Educação e comunicação
Osseweijer destacou o grande investimento do programa na formação de novos pesquisadores e o crescimento da colaboração internacional nos últimos anos. “Se o Brasil quiser manter sua liderança na área, precisa treinar pessoas”, disse.
Para ela, no entanto, também é fundamental investir em projetos no campo da educação e da comunicação. “É preciso fazer os estudantes se interessarem desde cedo pela área, além de conhecer a atitude dos setores estratégicos da sociedade em relação à bioenergia e criar estratégia para engajar esses públicos”, disse.
Moore, por sua vez, sugere a expansão dos programas de fenotipagem de alto rendimento para identificar de maneira rápida as alterações no fenótipo da cana resultantes da modulação ou da eliminação de genes. “A biologia molecular avança rapidamente, mas o mundo real da biologia é lento. Precisamos buscar meios para acelerá-lo”, afirmou.
Segundo Souza, uma das metas do BIOEN é transferir todo o conhecimento obtido por meio do programa para a sociedade e oferecer subsídios para a formulação de políticas públicas que permitam a expansão do uso de biocombustíveis de maneira sustentável.
“Em parceria com pesquisadores dos programas BIOTA e Mudanças Climáticas Globais – ambos da FAPESP – e com o Comitê Científico sobre Problemas do Meio Ambiente (Scope) – órgão ligado à Unesco – estamos elaborando sugestões de políticas para o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente”, contou Souza.