ALFREDO PASTOR: “sair da União Europeia nunca foi e nem será uma questão na Espanha” / Divulgação
Da Redação
Publicado em 28 de junho de 2016 às 12h10.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h16.
Ao que tudo indica, um governo de coalizão será finalmente formado na Espanha. Em declaração nesta segunda-feira 27, o primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy disse acreditar que um acordo ocorrerá em no máximo um mês. Seu partido, o conservador PP, saiu fortalecido das eleições do último domingo 26, em que a legenda obteve 600.000 votos a mais do que na votação anterior, em dezembro. Na ocasião, nenhum dos quatro maiores partidos do país – PP, PSOE, Podemos e Ciudadanos – obteve maioria suficiente para governar.
Em entrevista a EXAME Hoje, o professor Alfredo Pastor, especialista em União Europeia e economia espanhola da escola de negócios IESE, da Universidade de Navarra, falou sobre os desafios de um novo governo Rajoy e analisou como o impasse político na Espanha e a ascensão do Podemos reflete os movimentos populistas em crescimento na Europa – e o que tudo isso tem a ver com o Brexit aprovado no Reino Unido na última quinta-feira 23.
O que acontece depois destas eleições? O PP conseguirá finalmente governar?
O PP não obteve a totalidade dos assentos necessários no Parlamento e não conseguirá assumir o governo com uma maioria. Mas, de qualquer forma, sai como grande vencedor dessas eleições – ninguém esperava uma aprovação tão grande. Agora, os partidos farão um acordo. Isso é preciso. Não há condições de mais uma eleição acontecer.
Como será feito esse acordo?
O PSOE está numa posição muito difícil. Por isso, para eles, entrar num governo com o primeiro-ministro Rajoy é a melhor alternativa. Se ficarem na oposição, serão engolidos pelo Podemos. Já uma coalizão entre Podemos e PSOE é impossível. Claro que, como PP e PSOE são rivais, um governo de coalizão com o PSOE pode ser um risco ao PP no futuro. Mas nesse momento, todo mundo precisa se responsabilizar por formar um governo e agir como um. Em termos de estabilidade para a Espanha, essa coalizão PP/PSOE é a melhor opção. Não existe alternativa, e qualquer coisa fora disso seria apenas um conflito desnecessário.
A expectativa do Podemos nessas eleições era ser o segundo partido mais votado e se tornar a principal força da esquerda – o que não aconteceu. O partido sai enfraquecido?
Eles estão certamente mais fracos agora do que nas eleições de dezembro, uma vez que nem a coligação com outras forças da esquerda [formando a coligação Unidos Podemos] foi o suficiente para ultrapassarem o PSOE. É claro que o Podemos vai ser o líder da oposição e como terceira força do Parlamento, terá, sim, bastante voz. Mas o terceiro lugar no domingo foi um pouco surpreendente. Muitos dos votos do Podemos são de protesto. Mas isso está diminuindo. O partido é forte na Catalunha e no País Basco, mas não tem uma base consistente em muitas partes da Espanha.
A Espanha viveu um modelo de bipartidarismo entre PSOE e PP desde a redemocratização. Sair desse formato foi bom para o país ou causou apenas instabilidade?
Um governo de maioria absoluta nem sempre é bom. Nos últimos quatro anos, o PP usou sua maioria para fazer o que bem entendesse. Ter pessoas razoáveis num governo de coalizão é muito melhor. Há muitos países que possuem um governo de coalizão eficiente, como a Alemanha, por exemplo. Não vai ser fácil, mas a Espanha também pode fazer isso.
O Podemos e o Ciudadanos nasceram em 2014, como fruto do descontentamento causado pelos efeitos da crise de 2008. Em que sentido seu surgimento é reflexo dos movimentos nacionalistas na Europa, como o próprio Brexit?
O Podemos cresceu com base no descontentamento de muitas pessoas com os partidos tradicionais e usa alguns dos argumentos populistas e nacionalistas que estão sendo disseminados em diversas partes da Europa. E muitos desses argumentos foram usados também pelos defensores do Brexit. Da mesma forma, o Podemos é um movimento populista com propostas que não são necessariamente realistas ainda que o programa seja muito bem feito. A diferença entre o Podemos e o restante da Europa é que eu não vejo movimentos de esquerda tendo essa força, com exceção do 5 Estrelas [partido que ganhou as eleições municipais em Roma, na Itália]. Mas o programa do 5 Estrelas é baseado puramente em críticas, enquanto o do Podemos é mais positivo e embasado.
Existe a possibilidade de acontecer na Espanha uma discussão nacionalista similar à do Brexit?
Sair da União Europeia nunca foi e nem será uma questão na Espanha. O Podemos até tinha ideias nessa linha ultranacionalista, mas há muito tempo, na época de seu surgimento. De lá para cá, nunca mais se mencionou isso. O que a esquerda propõe agora é uma negociação com a União Europeia para atingir termos fiscais menos rígidos.
Uma negociação com a União Europeia será levada adiante num novo governo Rajoy?
Rajoy não vai confrontar a União Europeia. Ainda estamos numa situação muito delicada: nosso déficit, por exemplo, é muito maior do que deveria ser. O principal de Rajoy é criar empregos melhores e com maior remuneração. Houve uma reforma trabalhista no ano passado que flexibilizou as leis de contratação, similar ao que ocorreu na França. Eu não acredito que a reforma esteja errada, mas ela precisa ser lapidada e melhorada, e isso só pode ser feito com a ajuda de todos os partidos. Essas coisas levam tempo, não existe fórmula mágica. Há muitas pessoas que não estão contentes com o governo Rajoy, mas, no geral, as condições estão melhores do que em 2011.
O Brexit pode impulsionar movimentos separatistas como na Catalunha? O descontentamento só cresce na Catalunha e é preciso dar um fim nisso. Rajoy precisa sentar e ouvir, ao invés de apenas dizer “não” para tudo. Podemos ter consultas sobre temas específicos, talvez uma melhor participação financeira e aprovação nacional de medidas votadas no Parlamento catalão. Do contrário, em breve um referendo separatista pode ser inevitável. E com a situação que estamos presenciando no Reino Unido, essa é a única coisa que não queremos. Você divide o país em dois, e depois, o governo não consegue fazer nada pois sempre terá metade da população contra si. Tudo vira uma bagunça.
(Carol Oliveira)