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Passa de mil o número de mortos em 3 dias de conflito na Síria

Civis da minoria alauíta, inclusive mulheres e crianças, são as principais vítimas

Forças de segurança do governo sírio em Latakia, no oeste do país (Omar Haj Kadour/AFP)

Forças de segurança do governo sírio em Latakia, no oeste do país (Omar Haj Kadour/AFP)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 9 de março de 2025 às 14h21.

O conflito entre forças de segurança sírias e rebeldes leais ao ex-ditador Bashar-al-Assad já deixou mais de mil mortos em apenas três dias. Trata-se de um dos maiores massacres na Síria desde 2011.

A maioria das vítimas, cerca de 750 pessoas, é civil da minoria alauíta, a qual pertence Assad. Há muitas mulheres e crianças entre os executados por forças do governo interino sírio e grupos aliados em três dias de confrontos contra militantes leais a Assad, deposto em dezembro, informou o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH).

O número de combatentes mortos chegaria a 125 entre as forças do governo e 148 entre os rebeldes leais a Assad. Porém, segundo o OSDH os números são incertos e, provavelmente, maiores.

Autoridades do governo afirmaram no sábado que “restabeleceram a ordem” no noroeste do país, antigo reduto de Assad, que governou o país com mão de ferro por 24 anos.

O presidente sírio, Ahmed al-Sharaa, pediu neste domingo “unidade nacional”, após três dias de confrontos sem precedentes desde a queda de Assad.

O conflito começou com um ataque, na quinta-feira, de apoiadores de Assad às forças de segurança na cidade de Jablé, na província de Latakia, no oeste da Síria.

Esta região é o berço da comunidade muçulmana alauíta, da qual o clã Al-Assad se origina.

Baseada em Londres, o OSDH tem uma ampla rede de informantes em campo e afirmou que esses civis foram "executados" por "motivos confessionais" por agentes de segurança e combatentes pró-governo e que também houve "saques de casas e propriedades".

Pela manhã, a agência de notícias estatal Sana informou que as forças de segurança repeliram um "ataque de remanescentes do regime deposto" contra o hospital nacional na cidade costeira de Latakia.

Uma fonte do Ministério da Defesa disse posteriormente à agência que as forças bloquearam as estradas que levam à área costeira ocidental para evitar "violações", sem especificar quem as estava cometendo. A Sana também informou que forças de segurança foram enviadas para Latakia, Jableh e Baniyas, mais ao sul, para restaurar a ordem.

Os incidentes, os primeiros dessa magnitude desde a derrubada do regime de Assad em dezembro, começaram após um ataque sangrento de simpatizantes do ex-líder contra as forças de segurança na cidade costeira de Jableh, segundo as autoridades. No dia seguinte, as forças de segurança lançaram operações de busca na região de Latakia, bastião da minoria alauita — que representa 9% da população do país — um ramo do islamismo xiita ao qual pertencem Assad e sua família.

A segurança é um dos grandes desafios do novo governo sírio, de base islamista, instalado em dezembro após uma rebelião que derrubou Assad em 11 dias.

Em um discurso na sexta-feira, o presidente interino da Síria, Ahmed al-Sharaa, pediu aos insurgentes que "deponham as armas e se rendam antes que seja tarde demais". Por sua vez, o diretor de segurança da província de Latakia, Mustafa Kneifati, pediu aos civis neste sábado que não "se deixem levar por incitações", segundo declarações à Sana.

O OSDH e outras fontes publicaram vídeos na sexta-feira mostrando dezenas de corpos empilhados no pátio de uma casa, com várias mulheres chorando nas proximidades. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) pediu no sábado por acesso "seguro" para profissionais médicos e de resgate no oeste da Síria.

Potências ocidentais e vizinhos da Síria enfatizaram a necessidade de unidade na nova Síria, que busca financiamento para reconstruir um país devastado por anos de guerra civil sob Assad. A França "condenou" no sábado "nos termos mais enérgicos as atrocidades cometidas contra civis por motivos confessionais e contra prisioneiros" na Síria.

Estradas fechadas

Nas redes sociais, especialmente no Facebook, os depoimentos de crimes contra civis alauitas se multiplicaram nas últimas horas.

Samir Haidar, morador de Baniyas, de 67 anos, disse à AFP que dois de seus irmãos e sua sobrinha foram mortos por "grupos armados" que invadiram casas, acrescentando que "havia estrangeiros entre eles". Ele conseguiu escapar para um bairro sunita, mas afirmou que "se tivesse chegado cinco minutos mais tarde, teria sido morto... fomos salvos nos últimos minutos". Embora ele próprio seja alauita, Haidar fazia parte da oposição de esquerda aos Assad e foi preso por mais de uma década sob seu governo.

Uma fonte do Ministério da Defesa citada pela agência Sana disse que "as estradas que levam à região costeira foram fechadas para controlar violações, prevenir abusos e restaurar gradualmente a estabilidade na região". As forças de segurança foram solicitadas a "restaurar a ordem" em Jableh, Tartus e Latakia, disse a fonte, acrescentando que um "grande número de saqueadores" foi preso.

Tensão permanente

Em um país formado por diversas comunidades — sunita, majoritária, curda, cristã, drusa —, os alauitas estavam fortemente representados no aparato militar e de segurança do clã Assad, que por mais de meio século, primeiro com Hafez e depois com Bashar, governou o país de forma autoritária e repressiva.

Desde que o segundo foi derrubado em 8 de dezembro, as tensões aumentaram na costa do Mediterrâneo e nas montanhas, com apoiadores do clã Assad e ex-soldados do Exército sírio atacando as novas forças de segurança.

O presidente interino tem um passado jihadista e foi o líder do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), o grupo islâmico que liderou a rebelião. Al-Sharaa tentou tranquilizar as minorias prometendo que a nova Síria será inclusiva, mas essa linha não é necessariamente compartilhada pelas facções que operam sob seu comando e que agora compõem a maior parte do Exército e da polícia, observa o analista Aron Lund, do centro de estudos Century International.

— Grande parte dessa [nova] autoridade está nas mãos de jihadistas radicais [de fé sunita], que consideram os alauitas inimigos de Deus — explica Lund, que acredita que esses confrontos demonstram "a fragilidade do atual governo".

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