Papa Francisco: papa decretou que padres e religiosos são obrigados a denunciar qualquer suspeita de agressão sexual ou assédio (Remo Casilli/Reuters)
AFP
Publicado em 9 de maio de 2019 às 09h42.
Última atualização em 9 de maio de 2019 às 09h51.
O papa Francisco divulgou nesta quinta-feira normas mais rígidas que obrigam os padres e religiosos a denunciar qualquer suspeita de agressão sexual ou assédio, bem como todo o encobrimento de tais atos pela hierarquia católica.
Todas as dioceses do mundo deverão implementar dentro de um ano um sistema acessível ao público para apresentar relatórios sobre as denúncias de potenciais casos de abusos sexuais, que serão examinados em um prazo de 90 dias.
Essas decisões foram tomadas em um "motu proprio", ou seja, uma carta emitida diretamente pelo papa, que modifica a legislação interna da Igreja (o direito canônico).
O sumo pontífice desejou, no entanto, que o segredo da confissão continue absoluto, o que exclui, portanto, uma denúncia de fatos reportados por um fiel no confessionário.
Na introdução desta carta apostólica intitulada "Vos estis lux mundi" ("Vós sois a luz do mundo"), o papa Francisco ressalta que os "crimes de abuso sexual ofendem Nosso Senhor, causam danos físicos, psicológicos e espirituais às vítimas e lesam a comunidade dos fiéis".
"Por isso, é bom que se adotem, a nível universal, procedimentos tendentes a prevenir e contrastar estes crimes que atraiçoam a confiança dos fiéis", aponta o pontífice.
"Para que tais fenômenos, em todas as suas formas, não aconteçam mais, é necessária uma conversão contínua e profunda dos corações, atestada por ações concretas e eficazes que envolvam a todos na Igreja", comenta.
O texto condena toda violência sexual, dando ênfase aos crimes cometidos contra crianças e pessoas vulneráveis. Inclui, portanto, os casos de violência contra religiosas por seus superiores, ou assédio de seminaristas e noviças.
Ele ressalta ainda que é proibido produzir, exibir, armazenar e distribuir "material de pornografia infantil".
A hierarquia da Igreja também está proibida de conduzir "ações ou omissões tendentes a interferir ou contornar as investigações civis ou as investigações canônicas, administrativas ou criminais, contra um clérigo ou um religioso", especifica a carta.
As dioceses ou eparquias (Igrejas orientais), "individualmente ou em conjunto, devem estabelecer, dentro de um ano a partir da entrada em vigor destas normas, um ou mais sistemas estáveis e facilmente acessíveis ao público para apresentar as assinalações, inclusive através da instituição duma peculiar repartição eclesiástica", precisa o texto.
Esse tipo de sistema já existe em alguns países, como Estados Unidos, mas o papa torna a iniciativa obrigatória em todo o mundo. A forma desses sistemas de alerta não foi esclarecida, porém, na carta.
Até o presente momento, os clérigos e religiosos denunciavam os casos de violência de acordo com sua consciência pessoal. A grande novidade do texto: o papa torna juridicamente vinculativo em toda a Igreja a denúncia de abusos sexuais "no menor tempo possível" por padres e religiosos. Os leigos que trabalham para a Igreja são encorajados a denunciar casos de abuso e assédio.
Quando as suspeitas estiverem relacionadas a pessoas em posição hierárquica, incluindo cardeais, patriarcas e bispos, a notificação pode ser enviada diretamente para a Santa Sé ou a um arcebispo metropolitano.
A legislação da Igreja ainda não conta com uma obrigação de comunicar esses crimes às autoridades judiciais do país, a menos que as leis do país façam disso uma obrigação. Na Itália, por exemplo, o clero não tem obrigação de denunciar os casos de abuso sexual à justiça.
O motu proprio, que também detalha as regras do processo de investigação, também não modifica as sanções já previstas pela lei canônica.
Francisco pediu em fevereiro medidas "concretas e eficazes" no início de uma cúpula sem precedentes no Vaticano para lutar contra os crimes sexuais contra menores cometidos por membros do clero em resposta às vítimas.