Papa Francisco: ele pronunciou as palavras ao iniciar uma em memória dos armênios massacrados entre 1915 e 1917, nos últimos anos do Império Otomano. (Stefano Rellandini/Reuters)
Da Redação
Publicado em 12 de abril de 2015 às 10h37.
O papa Francisco utilizou neste domingo o termo "genocídio" para descrever os massacres de armênios iniciado há um século, o que provocou a reação imediata da Turquia, que convocou o representante do Vaticano em Ancara para exigir explicações.
"No século passado, nossa humanidade viveu três grandes tragédias sem precedentes. A primeira, considerada geralmente como 'o primeiro genocídio do século XX', afetou vosso povo armênio, primeira nação cristã, junto com os sírios católicos e ortodoxos, os assírios, os caldeus e os gregos", afirmou o pontífice em uma missa na basílica de São Pedro, ao citar uma declaração conjunta de 2001 assinada por João Paulo II e o patriarca armênio Karekin II.
Muitos historiadores descrevem os massacres como o primeiro genocídio do século XX, apesar da Turquia negar com veemência a existência de um planejamento por trás dos crimes.
A reação das autoridades turcas não demorou: o ministério das Relações Exteriores convocou o representante do Vaticano em Ancara para pedir explicações sobre a referência, informaram os canais NTV e CNN-Turk.
O bispo de Roma pronunciou as palavras ao iniciar uma em memória dos armênios massacrados entre 1915 e 1917, nos últimos anos do Império Otomano. A liturgia foi celebrada em conjunto com o patriarca armênio Nerses Bedros XIX Tarmouni, e na presença do presidente da Armênia, Serzh Sargsyan.
João Paulo II já havia utilizado o termo na declaração conjunta e o próprio Francisco fez o mesmo antes de ser nomeado papa em 2013. Mas esta é a primeira vez que um chefe da Igreja Católica usa a palavra em público.
As declarações tiveram grande repercussão na imprensa turca. "O papa, primeiro convidado do palácio (presidencial turco), utiliza a palavra genocídio", afirma com ironia o site do jornal Cumhuriyet.
Em sua visita a Turquia, o pontífice foi o primeiro visitante de prestígio do polêmico palácio presidencial inaugurado pelo conservador-islâmico Recep Tayyip Erdogan.
Como era de prever o discurso irritou as autoridades da Turquia, um importante aliado na luta contra o islamismo radical que está sendo devastador para as comunidades cristãs do Oriente Médio.
"Recordamos o centenário deste trágico acontecimento, deste massacre imenso e insensato, cuja crueldade tiveram que suportar vossos antepassados", disse Francisco na missa.
Os armênios calculam que 1,5 milhão de pessoas morreram entre 1915 e 1917 e chamam a tragédia de genocídio. Mas a Turquia insiste que não existiu um plano de extermínio da população armênia.
Segundo a versão do governo turco, o que aconteceu foi uma guerra civil na qual morreram de 300.000 a 500.000 armênios e outros tantos turcos, quando os primeiros se revoltaram contra os governantes otomanos e apoiaram as tropas russas invasoras, em plena I Guerra Mundial.
O Uruguai foi o primeiro país do mundo a reconhecer os massacres como um genocídio, em 1965. Atualmente, mais de 20 países reconhecem, incluindo França, Itália e Rússia.
A Argentina também fez o reconhecimento. O país abriga a maior comunidade armênia da América Latina e a terceira do mundo, com quase 100.000 membros.
"Acredito que é muito corajoso", declarou à AFP o vaticanista Marco Tosatti.
"Antes de ser papa, Jorge Bergoglio havia declarado claramente em várias ocasiões que era um genocídio. Citando João Paulo II, reforça a postura da Igreja, indicando seu punto de vista sobre o tema".
Em 2014, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, então primeiro-ministro, expressou condolências pelos massacres pela primeira vez. O governo da Turquia, no entanto, ainda atribui a maioria das mortes aos distúrbios, fome e deportações.
Francisco disse que os outros dois genocídios do século XX "foram cometidos pelo nazismo e o stalinismo", ocorridos antes de "outros extermínios em massa, como os do Camboja, Ruanda, Burundi e Bósnia".
"Parece que a humanidade é incapaz de acabar com o derramamento de sangue inocente", disse.
Os assassinados do século passado eram principalmente cristãos e, apesar dos massacres não terem sido abertamente motivados por questões religiosas, o pontífice os comparou com os ataques recentes aos cristãos perseguidos pelos islamitas radicais em vários países do Oriente Médio e da África.
"Hoje também estamos vivendo uma espécie de genocídio criado pela indiferença geral e coletiva", afirmou o papa.