PENCE E KAINE: debate de candidatos à vice nos Estados Unidos / Reuters
Da Redação
Publicado em 5 de outubro de 2016 às 07h12.
Última atualização em 7 de outubro de 2020 às 08h01.
Em uma das eleições presidenciais mais polarizadas e mais espetaculosas da história dos Estados Unidos, a ideia de um debate entre os candidatos a vice, especialmente envolvendo dois nomes de pouca projeção nacional, não parecia particularmente empolgante. Mas o republicano Mike Pence e o democrata Tim Kaine, atuando como representantes de seus respectivos cabeças de chapa, fizeram um embate vivo e cheio de trocas de acusações, em mais um lembrete para os eleitores americanos das profundas diferenças entre as propostas – e as personalidades — de Donald Trump e Hillary Clinton.
Como esperado, Kaine foi o primeiro a partir para a ofensiva, dizendo que “a ideia de Donald Trump como comandante-em-chefe [das Forças Armadas] nos enchem de medo”. A estratégia do democrata parecia bastante clara: insistir no argumento de que Trump não teria preparo para assumir a Casa Branca. Kaine também lembrou as várias ofensas proferidas por Trump nos últimos 15 meses, inclusive a declaração de que os mexicanos seriam estupradores e criminosos. A ideia parecia ser forçar o adversário a defender Trump. Pence evitou ao máximo cair nas armadilhas. Sempre que era confrontado por uma acusação contra seu parceiro de chapa, o republicano tergiversava ou mudava de assunto – mesmo porque, em vários dos casos, simplesmente não era possível negar ou defender as posições do bilionário.
Em termos de conteúdo, não houve surpresas. Kaine tentou mostrar Trump como um candidato interessado apenas em vantagens pessoais e daqueles parecidos com ele, em detrimento das mulheres e dos imigrantes, particularmente os latinos. Pence, por sua vez, descreveu Hillary Clinton como uma política pouco confiável, responsável pelos fracassos de política externa nos últimos oito anos (ela foi secretária de Estado durante o primeiro mandato de Barack Obama) e incapaz de resolver os dilemas que a globalização impõe à economia americana.
Se os temas foram os mesmos de sempre, os republicanos pelo menos puderam contar com uma performance mais sólida de seu representante. Nos primeiros 30 minutos do debate, que teve duração de uma hora e meia, Kaine parecia determinado a provocar Pence sempre que houvesse uma chance.
A tática quase teve o efeito contrário: as frequentes interrupções do democrata às vezes tiveram o efeito de realçar a calma e o comedimento de Pence, um político experiente e de fala segura, resultado de quase uma década comandando um programa de rádio. A compostura e a calma de Pence, em contraste com a agitação e os nervos de Trump no debate da semana passada, foram pontos positivos para o republicano.
O debate também foi uma boa – e talvez a única – oportunidade para os eleitores conhecerem os candidatos a vice da duas chapas. Pence e Kaine têm em comum a importância da religião em suas vidas. Pence é evangélico, e Kaine, católico — mas as maneiras como a fé se manifesta em suas carreiras políticas não poderia ser mais diferente.
O republicano Mike Pence, 57, é governador de Indiana e foi deputado pelo estado entre 2001 e 2013. Pence é um exemplo bem acabado do ultraconservador social americano: ferozmente contrário ao aborto e ao casamento de pessoas do mesmo sexo. “Sou cristão, conservador e republicano, nesta ordem”, costuma dizer o candidato a vice de Trump. No ano passado, Pence sancionou uma lei que na essência legalizava a discriminação contra gays, lésbicas e transgêneros, permitindo que estabelecimentos comerciais se recusem a atendê-los alegando motivos religiosos. Depois de uma reação nacional contra a lei, Pence foi obrigado a recuar, e uma nova versão da lei explicitamente proíbe que o atendimento seja recusado com base em orientação sexual e identidade de gênero. Em seus 12 anos no Congresso, Pence também foi um opositor ferrenho de medidas que aumentassem o tamanho do governo, mesmo que isso significasse se indispor com iniciativas patrocinadas por seu partido.
Tim Kaine, 58, é senador pelo estado da Virgínia, e sua trajetória política também está diretamente associada à sua fé católica. Em 1980, quando estudava direito na Universidade Harvard, Kaine mudou-se para Honduras para trabalhar como missionário jesuítas. Era o auge dos conflitos civis na América Central, opondo forças marxistas e governos e organizações paramilitares financiados pelos Estados Unidos. Foi em Honduras que Kaine, 22, teve contato com a Teologia da Libertação, corrente esquerdista da Igreja Católica historicamente malvista pelo Vaticano, mas que vive uma espécie de ressurgência no pontificado de Francisco. Depois do trabalho voluntário em Honduras, Kaine passou quase 20 anos advogando para causas ligadas aos direitos civis. Sua carreira política começou na cidade de Richmond e culminou com sua eleição para o governo da Virgínia em 2006. Desde 2012, Kaine é senador pelo estado. O candidato a vice na chapa de Hillary Clinton é a favor do direito ao aborto e da igualdade de direitos para pessoas LGBT.
Questionado no debate sobre os desafios de conciliar sua religiosidade com a vida pública, Kaine mencionou a questão da pena de morte. “A Igreja é contra a pena de morte, e também sou. Mas fui governador de um estado que tem a pena de morte. Disse para meus eleitores: não vou mudar minhas convicções religiosas, mas sei prestar juramento e cumprir as leis”, afirmou Kaine.