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Os comunistas chineses que foram de rebeldes a governantes

Em novo livro sobre os 100 anos do Partido Comunista Chinês, o pesquisador Anthony Saich, da Universidade Harvard, narra a história de idas e vindas do partido

Anthony Saich, de Harvard: o pesquisador conta em livro recém-lançado os conflitos e o modus operandi do partido (Divulgação/Divulgação)

Anthony Saich, de Harvard: o pesquisador conta em livro recém-lançado os conflitos e o modus operandi do partido (Divulgação/Divulgação)

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Carolina Riveira

Publicado em 1 de julho de 2021 às 06h00.

Os jovens intelectuais que fundaram na clandestinidade em 1921 o que seria o Partido Comunista Chinês talvez não pudessem imaginar quanto a legenda se tornaria diferente do que formularam.

Esse caminho centenário é o que Anthony Saich, diretor do Centro Ash para Governança Democrática e Inovação na Universidade Harvard, narra no livro From Rebel to Ruler — One Hundred Years of the Chinese Communist Party, (“De rebelde a governante — 100 anos de Partido Comunista Chinês”, numa tradução livre), em pré-venda pela Harvard University Press.

O Partido Comunista Chinês completa 100 anos neste mês de julho, em uma trajetória que foi da fundação à ascensão ao poder com Mao Tsé-Tung em 1949 e às reformas de Deng Xiaoping nos anos 70  que trouxeram abertura econômica, mas não política, ao sistema do país.

Sobre se o partido durará mais 100 anos, Saich é categórico: “Somos muito ruins em prever qualquer coisa sobre a China”. Leia os principais trechos da entrevista concedida à EXAME. 

Anthony Saich, de Harvard: o pesquisador conta em livro recém-lançado os conflitos e o modus operandi do partido (Divulgação/Divulgação)

Regimes vão e vêm, mas o que fez o Partido Comunista ficar no poder? 

No curto prazo, o ponto-chave foi a decisão de Deng Xiaoping de que o mais importante eram os interesses materiais das pessoas. A economia se mexeu, a qualidade de vida melhorou.

Mas a explicação mais profunda é que o PCCh se mostrou notadamente adaptável. Uma das bases do sucesso é o partido ser bom na micropolítica: apesar de muito das diretrizes vir do centro, isso permitiu flexibilidade no nível local. Mas vemos sob Xi uma tremenda centralização de poder, o que de alguma forma reduz a flexibilidade que os trouxe até aqui. 

Com 90 milhões de membros, não há embates internos?

Há muitas visões conflitantes dentro do partido. Eu conheci membros mais liberais do que a Thatcher e mais stalinistas do que o Stalin. “O partido é a única atração na cidade”: todos que têm ambição política e de carreira se filiam.

Se todo mundo está lá, isso faz com que o partido importe muitas contradições da sociedade, e por isso Xi é tão obcecado com a centralização de pensamento.

Ainda assim, eu conto no livro sobre uma vila que é controlada pelo mesmo clã desde os tempos imperiais. Eles estão trazendo o clã para dentro do partido ou o partido para dentro do clã? Acho que ambos. Há múltiplas realidades operando dentro da China, lugares muito pobres onde os líderes são bem mais autoritários, outros mais bem-sucedidos economicamente. A visão sobre a China depende de onde você está.

Conheci membros do Partido Comunista mais liberais do que a Thatcher e mais stalinistas do que o Stalin.

O episódio de Jack Ma [o fundador do Alibaba criticou a regulação chinesa e teve o IPO de uma empresa do grupo cancelado] pode marcar uma ruptura entre o PCCh e empresários? 

Historicamente, se você parece estar se tornando muito influente e muito poderoso, o partido quer colocá-lo sob as rédeas novamente. Jack Ma foi um caso extremo, embora não isolado.

Acho que por muito tempo o governo não se deu conta do que estava acontecendo no setor financeiro. Mas os negócios não podem sobreviver sem o partido. E empresários menores, que não são estrelas como Jack Ma, dependem ainda mais do partido e vão cooperar com o que for preciso.

Quais são os principais desafios do PCCh para os próximos anos? 

Economicamente, a questão é como achar novas formas de crescer para manter os cidadãos satisfeitos, e em qual medida o momentum da China será contido por pressões internacionais.

Politicamente, a dúvida é se essa centralização sob Xi vai levar a mais atrofia e menos inovação. E com a indicação de que Xi não vai sair do comando tão cedo, a sucessão também se torna mais delicada: como ficam os que estão esperando chegar ao topo nos próximos dez anos? Apenas se a continuidade do partido estivesse ameaçada as pessoas se moveriam contra a liderança de Xi, e isso não parece estar no horizonte. Mas digo que nós somos muito ruins em prever qualquer coisa sobre a China. 


A entrevista faz parte da reportagem "Os comunistas que reinventaram o capitalismo", disponível na edição 1.230 da EXAME. Veja aqui todas as reportagens da edição

 

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