Protestos: "A saúde é um desastre. Estamos no pior estado dos últimos 30 anos" (Carlos Barria/Reuters)
AFP
Publicado em 22 de maio de 2017 às 17h36.
Nem a oposição nem o governo de Nicolás Maduro se rendem e, esta semana, ambos os lados voltam a medir suas forças nas ruas da Venezuela, após 52 dias de violentos protestos que deixaram 49 mortos e quase mil feridos.
Mais de mil opositores junto com a Federação Médica Venezuelana (FMV) se dirigiam nesta segunda-feira (22) para o Ministério da Saúde na capital, Caracas, para protestar contra a "catastrófica" situação dos hospitais, onde faltam insumos, equipamentos e remédios.
"Esta é a única opção que temos (continuar nas ruas). Se eu tenho medo? Dá mais medo continuar vivendo. Você tem ido a algum supermercado? Não tem leite, não tem nada. Isso é vergonhoso", queixou-se o clínico geral Raúl, de 64 anos.
"A saúde é um desastre. Estamos no pior estado dos últimos 30 anos. Sempre dá medo vir, mas continuaremos fazendo isso até que tenha uma mudança", disse à AFP Fernando Gudayol, um cirurgião de 50 anos.
"Todos nós perdemos alguém por falta de medicamentos, ou insumos", lamentou Verónica Martínez, em entrevista à AFP durante a marcha.
"Hoje uma simples infecção pode se tornar algo grave pela falta de antibióticos, de insumos, por falta de manutenção dos equipamentos", queixou-se o médico urologista Eliécer Melear, de 41 anos.
O centro financeiro de Caracas foi inundado com cartazes com a palavra "Resistir" sob as três cores da bandeira venezuelana, cartazes denunciando "chega de fome, chega de insegurança, chega de repressão", e outros que refletem a queda de braço como governo: "Vamos ver quem se cansa primeiro".
Enquanto isso, partidários do chavismo se concentravam no palácio presidencial de Miraflores, onde eram recebidos por Maduro. O presidente convocou uma passeata "pela paz" para terça-feira.
"Qual é a falta de medicamentos? Nós estamos nas ruas, nos módulos (de saúde), dando resposta ao que as comunidades precisam", defendeu-se Rangel Vegas, estudante de Medicina de 31 anos, em diálogo com a AFP.
Nos arredores de Caracas já há confrontos entre opositores e policiais e militares. Várias ruas da capital amanheceram bloqueadas por barricadas.
A oposição tem o desafio de atrair os manifestantes apesar, mas não apenas, da violência, já que os venezuelanos têm enfrentado enormes filas para conseguir alimentos e um trânsito paralisado pelos protestos.
"É difícil manter a onda de protestos. As pessoas precisam trabalhar, estudar, comer e viver suas vidas. É preciso de uma estratégia para capitalizar esse movimento", advertiu à AFP David Smilde, assessor principal do Washington Office on Latin America (Wola), especializado em Venezuela.
"O fato de a oposição continuar com a mobilização nas ruas, e a comunidade internacional manter sua pressão sobre a Venezuela, poderia gerar divisões no governo, ou dentro das Forças Armadas", assinalou.
Tudo isso em meio ao colapso econômico e a uma inflação que, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), atingirá 720% este ano.
De acordo com o último balanço da Procuradoria, os protestos deixaram 49 mortos, quase mil feridos e 2.660 detidos, dos quais pelo menos 161 seguem presos -de acordo com a ONG Foro Penal - por ordens de tribunais militares.
No sábado, mais de 160.000 pessoas - segundo os organizadores - se reuniram na principal estrada de Caracas e tentaram caminhar em direção ao Ministério do Interior.
Eles foram dispersados com bombas de gás lacrimogêneo e responderam com pedras e coquetéis molotov.
Além disso, mais de 40.000 pessoas (de acordo com estimativas da AFP) protestaram na cidade de San Cristobal, estado de Táchira, na fronteira com a Colômbia, para onde Maduro ordenou o envio de 2.600 militares depois de tumultos e saques.
No domingo, Maduro denunciou que manifestantes espancaram, esfaquearam e abriram fogo contra um jovem durante uma manifestação em Caracas por acreditarem "ser chavista".
"Nunca havíamos visto aqui uma pessoa ser incendiada como fazem os terroristas do Estado Islâmico", denunciou Maduro em seu programa semanal.
A Procuradoria afirmou que já iniciou uma investigação sobre o ocorrido.
De acordo com Maduro, dentro da oposição está sendo gestada uma "corrente nazifascista" de perseguição a pessoas por seus ideais políticos, especialmente os chavistas. Atrás dela, estaria o presidente americano, Donald Trump.
"Donald Trump tem as mãos infectadas e metidas a fundo nesta conspiração", declarou.
Maduro propôs à liderança opositora - que não se pronunciou sobre o ocorrido - abrir uma mesa de diálogo para superar as diferenças.
Governo e oposição se responsabilizam mutuamente pela violência nas manifestações.