Venezuela: "Como boxeadores, estamos aturdidos após recebermos tantos golpes" (Ueslei Marcelino/Reuters)
AFP
Publicado em 8 de fevereiro de 2018 às 21h29.
A oposição venezuelana, dividida e com uma crise de liderança, deverá decidir se participará das presidenciais de 22 de abril, eleições que preveem maior isolamento internacional para o governo de Nicolás Maduro e a piora da economia.
Os adversários de Maduro receberam como um golpe a decisão do poder eleitoral de fixar a data das eleições antecipadas, após o fracasso da negociação de quarta-feira para entrar em consenso sobre este ponto e as garantias do processo.
"Como boxeadores, estamos aturdidos após recebermos tantos golpes", admitiu na quarta-feira Julio Borges, chefe negociador da coalizão Mesa da Unidade Democrática (MUD), que acusa a entidade eleitoral de servir ao governo.
Como uma primeira sacudida, Borges informou que os líderes da MUD e de setores sociais se reunirão nesta quinta-feira para analisar o caminho a seguir. Também abordou uma nova viagem internacional para denunciar a grave crise política e socioeconômica do país.
E reconhecendo que um dos maiores obstáculos enfrentados pela aliança são suas profundas divisões, pediu unidade para impedir a reeleição de Maduro por mais seis anos.
"Sem unidade estamos mortos", advertiu Borges.
A MUD - que reúne cerca de 30 partidos - está dividida por diferenças sobre a estratégia para tirar Maduro do poder, um objetivo que teve um capítulo dramático em 2017 com protestos que deixaram 125 mortos.
E também aparece enfraquecida, com seus principais líderes inabilitados politicamente e a desconfiança de um setor por ter dialogado com um governo que chama de "ditadura".
Agora, com as eleições à vista, precisam decidir se irão às urnas, ou não, e se farão isso com vários candidatos ou com apenas um, eleito nas primárias ou por consenso.
Borges citou dois dos cenários analisados pela MUD: "fechar-se completamente e que todos os partidos e a sociedade venezuelana" decidam não participar, ou inscrever um candidato único que revele "todas as irregularidades" do processo.
Um consenso se mostra complexo, o que favorece a candidatura de Maduro, que tem uma grande rejeição popular pela crise econômica, mas que soube fissurar seus adversários, segundo analistas consultados pela AFP.
"A vitória de Maduro está clara, a não ser que a oposição chegue a alguma decisão unitária", opina a cientista política Francine Jácome.
Diante do risco de mais fissuras e da vantagem do governo, as forças opositoras não deveriam participar, considera Leandro Area. "Não se trata de se abster, mas de não participar de uma fraude", considera.
Mas outros especialistas, como Luis Salamanca, observam que a oposição não deve abandonar o caminho eleitoral, ainda que com "condições onerosas".
"O terreno que ainda tem mais possibilidades de provocar processos políticos importantes é o eleitoral, que não exclui as pressões das ruas e diplomática", destaca.
Uma eventual participação da MUD se chocaria com a advertência de vários países de não reconhecer eleições convocadas pela governista Assembleia Constituinte, que rege com plenos poderes e a qual consideram ilegítima.
A União Europeia "unicamente" reconhecerá eleições com "condições de participação equitativas, justas e transparentes", assinalou uma resolução da Eurocâmara nesta quinta-feira.
O Parlamento Europeu também pediu que estendam as sanções do bloco ao próprio Maduro, que já figura na lista de ditadores dos Estados Unidos, o qual o presidente acusa de propiciar sua derrubada mediante uma "guerra econômica" para se apoderar da maior reserva petroleira do mundo.
"Uma eleição apresentada nesses termos não dará a Maduro a legitimidade de antes diante da comunidade internacional", apontou Jácome.
O Tribunal Penal Internacional (TPI) anunciou a abertura de análises preliminares por "supostos crimes" devido a informações sobre o uso de "força excessiva" dos corpos de segurança venezuelanos e o emprego de "meios violentos" por parte de manifestantes.
Maduro, ex-motorista de ônibus de 55 anos, baseia sua força em um controle institucional de várias áreas, incluindo os militares. A oposição controla apenas o Parlamento, que está de mãos atadas pelo Poder Judiciário e, na prática, foi substituído pela Constituinte.
No entanto, este enorme poder não conseguiu deter o colapso econômico: dependente da renda petroleira que diminuiu, o país está em recessão desde 2014, a hiperinflação pode chegar a 13.000% este ano, segundo o FMI, e a escassez de alimentos e remédios é crônica.
"O impacto esperado é demolidor sobre a economia do país em seu conjunto, e todos viveremos isso, sem garantia de mudança política", advertiu o economista e presidente da empresa Datanálisis, Luis Vicente León.