Venezuela: a crise aumentou com a queda dos preços do petróleo, com uma severa escassez de alimentos e remédios, assim como uma inflação de 475% para este ano (Miraflores Palace / Reuters)
AFP
Publicado em 24 de outubro de 2016 às 16h20.
A oposição venezuelana insistirá nesta semana em uma saída antecipada do presidente Nicolás Maduro, após a suspensão do referendo revogatório, mas o governo ameaça responder energicamente para conservar o poder, vislumbrando-se uma radicalização maior do conflito.
Depois que a Assembleia Nacional, de maioria opositora, declarou no domingo que a paralisação do referendo consumou um "golpe de Estado", a Mesa da Unidade Democrática (MUD) prepara uma série de ações para o que chama de "restituição da ordem constitucional".
"Apenas as ditaduras despojam seus cidadãos de direito. Vem luta e mais luta, com serenidade e firmeza. Hoje iniciamos uma semana completamente complexa", disse nesta segunda-feira o secretário-executivo da MUD, Jesús Torrealba, que lembrou a convocação a um protesto nacional na próxima quarta-feira chamado de "Tomada da Venezuela".
O Parlamento, sob controle opositor pela primeira vez em 17 anos de hegemonia chavista, se reunirá na terça-feira para debater "a situação constitucional do presidente", a quem responsabiliza pela "ruptura da democracia".
"A declaração de golpe de Estado legitima as próximas decisões da Assembleia, mas os próximos passos dependerão do que for decidido na terça-feira", disse à AFP o constitucionalista José Ignacio Hernández, para quem o país está "diante de uma complexa situação que pode evoluir rapidamente".
O chefe da bancada opositora, Julio Borges, propôs inclusive a possibilidade de iniciar um "julgamento político" contra Maduro, a quem a oposição também acusa de ter dupla nacionalidade, venezuelana e colombiana, que o inabilitaria para o cargo.
O presidente socialista encerra na segunda-feira uma viagem pelo Oriente Médio, onde impulsiona acordos para melhorar os preços do petróleo, e a partir dali convocou a calma e o diálogo.
Em meio à tensão, o presidente da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup, informou que no domingo porta-vozes da MUD se reuniram com o representante do papa Francisco, o núncio apostólico, e com os ex-presidentes da comissão da Unasul que buscam aproximar o governo e a oposição.
A crise venezuelana aumentou com a queda dos preços do petróleo, com uma severa escassez de alimentos e remédios, assim como uma inflação que o FMI calcula em 475% para este ano.
A oposição sustenta que a solução para a crise é a saída do poder de Maduro, cuja impopularidade chega a 76,5% e a quem mais de 60% da população quer revogar, segundo a empresa Datanálisis.
Batalha política
O conflito venezuelano entrou em uma nova fase depois que o poder eleitoral adiou na quinta-feira, indefinidamente, a coleta das quatro milhões de assinaturas necessárias para convocar o referendo, que estava prevista para quarta, quinta e sexta-feira desta semana.
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), acusado pela MUD de ser controlado pelo governo, assim como a justiça, argumentou que a suspensão obedecia a decisões judiciais que anularam por fraude em cinco Estados uma primeira coleta de assinaturas que abriu o processo.
"A batalha institucional está perdida, portanto a Assembleia estabeleceu as diretrizes do que será sua batalha política: o protesto popular, a demonstração de maioria, o chamado à pressão internacional", declarou à AFP o analista Luis Vicente León.
Mas os analistas advertem que o grande desafio da MUD é mobilizar os venezuelanos maciçamente, o que foi difícil, com exceção de 1º de setembro.
"O governo escolheu o custo político menor porque a coleta de assinaturas mostraria a maioria contundente que o rejeita, e por sua vez despojou a oposição do motor que mobiliza as pessoas, o voto. Agora será mais difícil levá-la às ruas", explicou León.
No front internacional, a MUD enviará uma comissão para pedir em Washington que a Organização dos Estados Americanos (OEA) aplique a Carta Democrática à Venezuela, que prevê sanções em casos de ruptura da ordem democrática.
Uma fase obscura
Os analistas preveem uma radicalização do conflito. Os governistas já ameaçaram com o levantamento da imunidade parlamentar e a ilegalização da MUD como partido político.
Para León, a Venezuela entra em uma "fase obscura" na qual podem ocorrer repressões seletivas de líderes políticos, sem descartar na sociedade venezuelana "os dois cenários perversos: a violência ou a apatia".
O ex-candidato presidencial Henrique Capriles não descartou que a "Tomada da Venezuela" na quarta-feira inclua uma marcha ao Palácio Presidencial de Miraflores, o que pode gerar violência.
"Sem dúvida estamos em uma grande encruzilhada, grave. O meio termo, a participação ativa, pacífica, inteligente, permanente, é uma linha muito complicada de conseguir, é um processo longo, que inclui a negociação política", disse León.