Para tentar evitar que o Irã construísse uma bomba, em 2015 foi firmado o JCPOA, com a participação, além dos iranianos, de EUA, China, França, Reino Unido e Rússia, além da União Europeia (AFP/AFP Photo)
Agência de notícias
Publicado em 26 de fevereiro de 2024 às 18h12.
Um relatório confidencial da Agência Nuclear de Energia Atômica (AIEA), obtido por agências de notícias nesta segunda-feira, revelou que o Irã aumentou a quantidade de urânio enriquecido nos últimos meses, superando e muito os limites impostos por um acordo internacional sobre o programa nuclear do país, um texto que hoje é considerado praticamente morto. No documento, o diretor-geral declara ainda ter "preocupações" com a capacidade iraniana de militarizar suas atividades nucleres.
No relatório, revelado pela AFP, a agência aponta que as reservas de material enriquecido no dia 10 de fevereiro eram de 5.525,5 kg, vinte e sete vezes acima do limite estabelecido pelo acordo firmado em 2015 e conhecido como Plano de Ação Conjunta Global (JCPOA, em inglês). Em outubro, o Irã armazenava localmente 4.486,8 kg de material enriquecido em diferentes graus.
Segundo o Wall Street Journal, que também teve acesso ao relatório, 712kg do urânio armazenado estão enriquecidos a 20%, 145,1kg a mais do que o relatado em outubro. Apesar desse grau não ser suficiente para uso em uma arma nuclear, especialistas apontam que o Irã tem a tecnologia para enriquecer o material até os 90% necessários para uso militar.
Hoje, o Irã já enriquece a níveis mais elevados: segundo o Wall Street Journal, o país tem o 121,5kg de urânio enriquecido a 60% (6,8 kg a menos do que em outubro), sendo a única nação que não tem armas atômicas a enriquecer o material a esse grau, que é considerado próximo do grau usado em uma bomba. Pela definição da AIEA, são necessários 42kg de urânio enriquecido para a montagem de uma arma nuclear.
No relatório, conforme revelado pela AFP, o diretor-geral da agência, Rafael Grossi, citou "declarações públicas sobre as capacidades técnicas" do Irã, o que "reforça as preocupações" com um suposto uso militar da tecnologia nuclear, e pediu que Teerã "coopere plenamente" com os inspetores da ONU. Recentemente, o ex-chefe da agência nuclear iraniana, Ali Akbar Salehi, sugeriu que o país já "cruzou todos os limites da ciência e da tecnologia nuclear".
Com um programa nuclear criado ainda nos anos 1950, as atividades iranianas no setor, assim como as preocupações com o uso militar da tecnnologia, começaram a ser observadas mais de perto no começo do século, após denúncias feitas por dissidentes sobre locais secretos e planos para a construção de uma bomba.
Especialistas afirmam que, ao menos em teoria, o Irã tem capacidades técnicas para se tornar uma nação nuclear, mas eles também apontam, citando informações de inteligência, que esses planos foram pausados em algum momento e não estariam em pleno curso hoje. Oficialmente, as autoridades locais dizem que seu programa nuclear tem fins pacíficos, e citam uma fatwa (decreto religioso) do aiatolá Ali Khamenei que veta sua militarização.
Para tentar evitar que o Irã construísse uma bomba, em 2015 foi firmado o JCPOA, com a participação, além dos iranianos, de EUA, China, França, Reino Unido e Rússia, além da União Europeia. O plano previa limites ao grau de enriquecimento de urânio, à quantidade de material enriquecido armazenado e a equipamentos mais avançados nas centrais nucleares. A proposta ainda previa inspeções mais intrusivas, e em troca oferecia o alívio a algumas sanções e o acesso do país aos canais usuais de comércio exterior.
O texto foi seguido sem grandes percalços até a chegada de Donald Trump à Casa Branca, em 2017, e ao posterior abandono do acordo pelos EUA, que passaram a adotar uma política de sanções e bloqueios conhecida como "Pressão Máxima", que segue em vigor até hoje.
Sem incentivos e sem sucessos nas muitas negociações diplomáticas, o Irã também passou a ignorar o acordo, aumentando o grau de enriquecimento de urânio e barrando inspeções com frequência — no relatório, Grossi reclama da retirada de credenciais de inspetores e da cooperação cada vez mais restrita entre os dois lados. Na semana passada, o diretor-geral da AIEA foi convidado para uma visita a Teerã em maio, mas ele ainda não confirmou a viagem.