Soldados em Bangui: funcionário do Acnur pediu que a comunidade internacional "entenda que há uma crise enorme acontecendo diante de nossos olhos" (Emmanuel Braun/Reuters)
Da Redação
Publicado em 28 de março de 2014 às 14h52.
Genebra - A República Centro-Africana pode se transformar em "uma nova Bósnia" com comunidades inteiras massacradas por outras de religiões diferentes diante dos olhos impotentes da comunidade internacional, advertiu nesta sexta-feira o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
"O caso da República Centro-Africana me lembra o livro "Crônica de uma morte anunciada" onde sabemos o que vai acontecer antes que se suceda", afirmou hoje em entrevista coletiva o diretor de proteção internacional do Acnur, Volker Turk, que acaba de voltar de Bangui, a capital do país.
"Há 23 anos trabalho no Acnur e poucas vezes vi situações tão complicadas e urgentes como na República Centro-Africana. Infelizmente, me lembrou muito o que aconteceu na Bósnia", acrescentou Turk.
Ele explicou que os muçulmanos centro-africanos estão constantemente ameaçados e na maioria dos casos, as comunidades muçulmanas "estão recuadas, em estado de sítio, e se alguém se atreve a sair são baleados pelos "Anti-Balaka"", explicou.
As milícias cristãs "Anti-Balaka" se enfrentam desde dezembro com os partidários dos grupos rebeldes Seleka (muçulmanos), que chegaram ao poder do país com um golpe de Estado em março do ano passado.
Desde sábado os grupos "Anti-Balaka" e outros milicianos vestidos com o uniforme do exército nacional mataram pelo menos oito muçulmanos e feriram outros em Bangui.
"Os muçulmanos temem ser massacrados, o medo impera e os "Anti-Balaka" o usam para atemorizar mais as comunidades e para se impor diante da falta de outra autoridade".
Turk explicou que os rumores e a desinformação são moeda corrente no país, o que é usado pelos grupos armados em seu próprio interesse ao inventar histórias que incitam ao ódio inter-religioso.
"O que é preciso destacar é que se a violência aumentar os muçulmanos pagarão, mas toda a população também, incluindo os cristãos", alertou.
As milícias cristãs buscam vingança por causa dos abusos cometidos pelo grupo Seleka enquanto ele governou do país, e estão presentes em quase todas as comunidades porque se organizaram em grupos de autodefesa, explicou hoje Sandra Black, porta-voz da Organização Internacional das Migrações (OIM).
Turk descreveu o governo interino como "totalmente ultrapassado pelos eventos" e lembrou que não há estrutura de estado para além "de três quilômetros ao redor do centro da cidade".
Neste cenário o funcionário do Acnur pediu mais uma vez que a comunidade internacional "desperte e entenda que há uma crise enorme acontecendo diante de nossos olhos".
"A situação é absolutamente desesperadora. E é preciso atuar antes que aconteça uma tragédia", alertou.
No terreno há seis mil militares das forças proporcionadas pela União Africana e pelo exército francês, e embora o secretário-geral da ONU tenha pedido o envio de 12 mil boinas azuis, estes ainda devem ser designados (os países têm que apresentar contingentes) e o diretor não acredita que possam estar no terreno antes de setembro.
A impotência de Turk diante da indiferença internacional pode ser constatada nos fundos prometidos ao pedido humanitário solicitado pela ONU, que só recebeu 22% dos US$ 550 milhões solicitados.
Desde dezembro de 2013 a violência sectária e religiosa forçou a fuga de quase um milhão de pessoas, das quais mais de 650 mil são deslocados internos e cerca de 300 mil se refugiam em países vizinhos, especialmente no Chade e em Camarões.