Oliver Stone: "Hillary Clinton é o protótipo do sistema neoconservador e intervencionista" (Openspace/Divulgação)
Luísa Melo
Publicado em 9 de novembro de 2016 às 13h35.
Última atualização em 10 de novembro de 2016 às 15h45.
São Paulo - "Mal posso acreditar que vocês tiveram esse golpe e que tiraram [do cargo] uma presidente eleita democraticamente. A forma com que isso foi feito no Brasil foi odiosa, vocês violaram a democracia", disse o cineasta Oliver Stone, durante debate na HSM Expomanagement, nesta quarta-feira (9), em São Paulo.
A conversa, mediada pelo apresentador Luciano Huck, estava prevista para ocorrer em torno do tema da criatividade, mas diante da eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, nesta madrugada, o tom mudou para política.
Para o diretor, ainda que Dilma Rousseff tenha sido "uma líder muito ineficaz", o impeachment foi um erro. "A única solução possível erar esperar mais dois anos e votar em outra pessoa", afirmou.
Na véspera do evento, Stone se encontrou com o ex-presidente Lula. Ele disse que mantém contato com o político desde que produziu "Ao Sul da Fronteira", documentário sobre a ascensão dos líderes de esquerda na América do Sul.
"Tenho contato com esses líderes desde 2009", contou.
Mais medo da Hillary
Em relação à eleição em seu país, Oliver Stone disse que acreditava que Trump não tinha a menor chance, mas que "tinha mais medo de Hillary Clinton do que dele" e que tenta enxergar os lados positivos do resultado.
Nas palavras dele, Hillary representa "o protótipo do sistema neoconservador e intervencionista" que elevou os Estados Unidos ao status de potência mundial, sistema que é responsável pelo ataque de 11 de setembro e "por essa guerra contínua contra o terror".
"Não teve nenhuma guerra que ela não fosse a favor. Foi a favor da Guerra no Iraque, no Afeganistão e pede medidas mais rígidas na Síria", afirmou.
Para o cineasta, Trump tem um perfil mais negociador e pragmático.
O cineasta acredita que o bilionário pode fazer um acordo de cooperação com a Rússia e que isso seria muito positivo.
"Quero que os Estados Unidos respeitem fronteiras e não acredito que a senhora Clinton faria isso. Não dá para forçar a barra com a Rússia, eles não vão simplesmente entrar na onda dos EUA. Eles têm orgulho, são nacionalistas. O mesmo vale para China e Irã", avaliou.
Questionado sobre o discurso xenófobo de Trump, Stone disse que a situação dos imigrantes ilegais nos Estados Unidos "pode ficar feia", mas não acredita em medidas tão radicais quanto as que o republicano prometeu em sua campanha.
"Ninguém gosta de ouvir será construído um muro na fronteira com o México. Mas não acho que ele vai fazer isso. Sabemos que o Obama também deportou muita gente, mas a questão da imigração não será ideológica, será de geração de empregos, acima de tudo".
Quanto ao combate ao terrorismo, o diretor disse que vigilância precisa ser direcionada e que a NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA) faz espionagem de massa.
Novo filme
A polêmica atuação da NSA, aliás, é tema do novo filme que Oliver Stone está divulgando. "Snowden", que conta a história do ex-agente que revelou que a as equipes de inteligência norte-americanas vigiavam vários países do mundo, incluindo o governo brasileiro, estreia no país na quinta-feira (10).
Durante dois anos e meio, o diretor coletou informações e entrevistou Edward Snowden em nove visitas à Rússia, onde ele está exilado.
Segundo ele mesmo, o resultado do trabalho é uma das melhores produções que já fez. No longa, a narrativa foi construída sob o ponto de vista do ex-agente.
"Conto a visão dele dos eventos, de uma forma que ninguém nunca viu antes. É um caso sério de um ser humano que permaneceu humano quando achou que agência para a qual ele trabalhava fez algo errado".
Stone afirmou que o outro lado dos fatos, a alegação por parte da NSA de que Snowden era um funcionário de baixo escalão e narcisista, não é consistente.
Ele disse também que é preciso também questionar a quem interessam as informações obtidas pela NSA.
"Não pensem que o Brasil e os EUA não colaboram. Houve espionagem na Petrobras. Para onde foi essa informação? Os EUA não gostavam da Dilma e a vigiaram muito."
Futuro do cinema?
Oliver Stone, que já ganhou dois Oscars e teve 31 obras indicadas a categorias do prêmio, disse que o fato de as pessoas irem cada vez menos ao cinema o entristece muito, mas que se adapta à nova realidade.
Ele acredita que, muito provavelmente, seu próximo filme será distribuído ao mesmo tempo nas telonas e em plataformas que podem ser acessadas em casa, numa espécie de TV por assinatura.
O diretor não gosta muito de séries e defende que, apesar de elas possibilitarem uma abordagem mais profunda de um determinado tema, também são mais chatas.
"A TV se arrasta um pouco, porque quanto mais longa a produção, mais lucro ela gera. Você pode ganhar rios de dinheiro na televisão, o que não acontece mais nos longas-metragens".
Stone disse que sabe do sucesso que as novelas fazem no país e perguntou o que Luciano Huck acha delas. O apresentador disse que elas representam o Brasil e trazem realidades diferentes à tona.
Para ele, o papel dos folhetins é outro. "Há uma ‘trivialização’ do país. A novela se torna um denominador comum e você consegue um controle da mente das pessoas. Você diz a elas: você precisa ter essa geladeira, seu relacionamento com seu marido deve ser desse jeitinho."