FILLON: ele afirmou que não desistirá da candidatura, apesar da acusação de que pagou a sua mulher e um casal de filhos, por serviços não prestados / Charles Platiau/ Reuters
Da Redação
Publicado em 1 de março de 2017 às 18h01.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h31.
Lourival Sant’Anna
A eleição presidencial francesa poderá ser decidida no segundo turno entre dois candidatos com problemas com a Justiça ou não pertencentes aos partidos tradicionais. Essas são as perspectivas abertas nesta quarta-feira pelo anúncio do ex-primeiro-ministro François Fillon, do partido de centro-direita Os Republicanos, de que não desistirá da candidatura, apesar da acusação de que seu gabinete pagou centenas de milhares de euros a sua mulher e um casal de filhos, por serviços não prestados, no período em que ele foi senador (2005-2007).
Na mesma entrevista coletiva em que declarou sua insistência na candidatura, Fillon admitiu que será interrogado no dia 15, quando deverá ser aberta uma investigação oficial do Ministério Público. Do outro lado, a sede da Frente Nacional sofreu uma batida policial no dia 20, em busca de provas das acusações de que sua líder, a candidata ultra-direitista Marine Le Pen, destinou irregularmente 41.500 euros a seu guarda-costas, alegando que era seu assessor, e 298.000 euros a uma assistente que trabalhava na sede do partido na França, em verbas de seu gabinete de deputada do Parlamento Europeu. Le Pen criou polêmica ao evocar sua imunidade parlamentar para não depor perante a polícia sobre as acusações de pagamentos indevidos. Mas ela ainda pode ser formalmente processada.
Le Pen está na dianteira das pesquisas, com 26% das intenções de voto no primeiro turno, dia 23 de abril. Em segundo lugar, Fillon está empatado, com 21%, com o ex-ministro da Economia Emmanuel Macron, de centro, que deixou o governo socialista do presidente François Hollande e criou o movimento Em Marcha, para se lançar a presidente. Com o enfraquecimento de Fillon por causa das investigações, a hipótese mais provável é que Macron enfrente — e vença — Le Pen no segundo turno, dia 7 de maio. Nesse cenário, os partidos tradicionais ficariam fora da disputa. A candidatura de Macron vem crescendo não só por causa do escândalo envolvendo Fillon, mas também por causa do perfil do candidato escolhido nas primárias socialistas, Benoît Hamon. Bastante à esquerda, Hamon disputa votos com o candidato comunista, Jean-Luc Mélenchon, e deixa Macron sozinho como destinatário do voto de centro.
Fillon assumiu uma posição desafiante, na coletiva desta quarta-feira: “Não vou desistir, não vou me render, não vou sair”, disse ele, lendo um discurso preparado. “Não desviei nenhum dinheiro. Empreguei familiares, como quase um terço do Parlamento, porque sabia que podia contar com sua lealdade e competência. Eles me ajudaram, e eu o provarei.”
Marie e Charles, filhos de Fillon, ainda não eram formados em direito quando receberam 84 mil euros para lhe prestar supostos serviços jurídicos. E sua mulher, a galesa Penelope, declarou em 2007 ao jornal inglês The Daily Telegraph: “Nunca fui assistente dele”. Ela recebeu 500.000 euros. De acordo com outra denúncia, Penelope teria recebido outros 100.000 euros por três pequenas notas na Revista dos dois Mundos, pertencente a um amigo de Fillon, Marc Ladreit de Lacharrière. Ele é dono da holding Fimalac, que detém 20% da agência de análise de risco Fitch, e a empresa de sites Webedia. Fillon condecorou o empresário com a medalha da Legião de Honra. O Ministério Público investiga se houve tráfico de influência.
Escândalos não são raros na política francesa, e o fato de Fillon insistir em sua candidatura é um indício de aposta na tolerância dos eleitores com esses “pecadilhos”. O seu caso é um pouco mais grave, no entanto, porque ele se lançou com uma campanha de moralização da política. O jornal Le Monde o chamou nesta quarta-feira de “candidato de bunker”, por causa de sua relutância de sair às ruas, com receio de ser vaiado. Quando se arrisca a fazer campanha, manifestantes batem em panelas, cujo nome em francês, “casserole”, significa corrupção, na gíria. Surgem também cartazes pedindo “empregos falsos para todos”.
As acusações contra Fillon foram publicadas em janeiro no semanário satírico Le Canard Enchaîné. Desde então, especula-se que ele renunciaria. Mas a verdade é que os potenciais candidatos dos Republicanos, que ele derrotou nas primárias de novembro, também têm problemas com a Justiça. O também ex-primeiro-ministro Alain Juppé, segundo colocado nas primárias, foi condenado em 2004 por contratar membros de seu partido como funcionários-fantasmas na Prefeitura de Paris. Em terceiro lugar ficou Nicolas Sarkozy, que foi presidente entre 2007 e 2012, período em que teve Fillon como seu primeiro-ministro. Sarkozy será julgado por financiamento ilegal de sua campanha presidencial de 2012, na qual foi derrotado pelo atual presidente François Hollande.
A situação de Fillon divide seu partido. A senadora Fabienne Keller pediu que ele desista da candidatura, argumentando que “ele não pode continuar fazendo campanha contra a Justiça”. Em nota, ela escreveu: “Faço um apelo a Fillon para que tome uma decisão maior que seu destino pessoal, para que leve em conta o destino da França”. Já Valérie Pécresse, líder dos Republicanos na região de Ilha de França, onde se situa Paris, explicou por que segue apoiando Fillon: “Quando minha família política é atacada, fico do seu lado”.
“É a última aposta de Fillon”, avalia Laurent Bouvet, cientista político da Universidade de Versalhes. “Ele partiu para o tudo ou nada.” A aposta consiste em acreditar que o eleitorado de direita que não quer Le Pen, e que o apoiou nas primárias dos Republicanos, continuará do seu lado, apesar de seus tropeços. Não é um bom começo. A menos de dois meses do primeiro turno, Fillon teria de estar concentrado em enfrentar Le Pen, não a imprensa e o Ministério Público.