Mãe amamenta bebê com zika no Brasil: o vírus ebola já matou mais de 11 000 pessoas, a maioria na Libéria, Serra Leoa e Guiné, desde 2013 (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 8 de fevereiro de 2016 às 18h33.
Toda semana, o The WorldPost pede para um especialista esclarecer um tópico que domina as manchetes no mundo inteiro. Hoje, conversamos com Daniel Lucey e Lawrence Gostin, da Universidade Georgetown, sobre a resposta global à epidemia de zika.
A Organização Mundial de Saúde foi amplamente criticada pela demora e pela má gestão na resposta à crise do ebola, que atingiu três países da África Ocidental em 2014.
O vírus ebola já matou mais de 11 000 pessoas, a maioria na Libéria, Serra Leoa e Guiné, desde 2013.
Libéria e Guiné foram recentemente declarados livres da doença, mas os especialistas advertem que o vírus pode reaparecer rapidamente.
Agora, surge uma nova crise de saúde pública nas Américas. O vírus zika, descoberto pela primeira vez na floresta Zika, de Uganda, mais de 60 anos atrás, se disseminou nos últimos anos para o Pacífico Sul e para as Américas.
O vírus é transmitido por mosquitos e, como o ebola, não tem vacina ou cura conhecidas. Inicialmente o zika não era considerado muito perigoso, pois causava principalmente febre e dores nas articulações.
Mas um grande surto do vírus no Brasil, no ano passado, é associado a uma explosão nos casos de microcefalia, uma condição congênita que faz os bebês nascerem com cabeças anormalmente pequenas.
A possível ligação entre o vírus zika e microcefalia, que ainda tem de ser confirmada, levou o Brasil a declarar uma emergência nacional em novembro.
O vírus se espalhou rapidamente, com casos notificados em 23 países e territórios nas Américas.
No início deste mês, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, dos Estados Unidos, emitiu um alerta, aconselhando mulheres grávidas a considerar o adiamento de viagens para países em que há focos de infecção pelo zika.
Na quinta-feira, a OMS anunciou que vai convocar uma comissão especial de emergência sobre o vírus zika na segunda-feira, o primeiro passo para uma eventual declaração de emergência de saúde pública.
Alguns dias antes, Daniel Lucey e Lawrence Gostin, da Universidade Georgetown, haviam publicado um artigo no Journal of American Medical Association instando a OMS a não demorar na resposta ao vírus.
O WorldPost conversou com Lucey, um pesquisador-sênior do Instituto O'Neill para Leis de Saúde Nacionais e Globais, da Universidade Georgetown, e Gostin, o diretor do instituto. Eles falaram sobre as lições que a epidemia de ebola podem oferecer para a crise atual.
Que lições vocês esperam que a OMS tenha aprendido com a crise ebola? Como elas podem ser aplicadas à emergente pandemia de zika?
Lucey: A diretora-geral da OMS, Margaret Chan, atrasou muito, muito longo a convocação da comissão especial de emergência no que diz respeito à epidemia de ebola na África Ocidental.
Eu estava trabalhando com pacientes de ebola em Serra Leoa e na Libéria durante o surto de 2014, e que isso causou uma impressão fortíssima em mim das implicações no mundo real, e naquele caso catastróficas, das decisões que são tomadas – ou não são tomadas – na sede da OMS, em Genebra.
Foi em grande parte por isso que escrevi o artigo com o meu colega, o professor Gostin, pedindo que a diretora-geral da OMS convoque uma comissão especial de emergência.
De novo, ela demorou para fazê-lo, embora esperemos que não haja consequências tão catastróficas como as do ebola.
Já era evidente havia várias semanas que a pandemia de zika merece atenção.
A questão será: há quanto o tempo o comitê deveria ter sido convocado, especialmente se houver ondas de epidemia de microcefalia em outros países afetados pelo zika. Espero e rezo que isso não aconteça.
Mas, se houver epidemias de microcefalia em outros países da América Latina, será uma tragédia, e haverá mais lições a aprender.
Quando ela disse na quinta-feira que iria convocar o comitê, sinceramente, fiquei muito feliz.
O comitê tem responsabilidades muito específicas -- ele realmente galvaniza a comunidade internacional, sob a liderança da sede da OMS, para que o mundo inteiro se beneficie de comunicações harmonizadas e orientação sobre o surto. Mas é apenas o começo.
É como a chave fez você tem que virar para destrancar a porta, e agora você tem de passar pela porta.
Gostin: A lição fundamental é não esperar até que uma crise saia do controle. Agir de forma decisiva rapidamente, e com liderança.
Quando o comitê de emergência do zika se reunir, as ações serão mais importante que os discursos.
Essas ações são vastas mobilização de financiamento e apoio internacional para reduzir drasticamente a população de mosquitos nas áreas afetadas, vigilância intensa, uma determinação conclusiva de que existe ligação entre o zika e as malformações infantis e aceleramento das pesquisas para obter uma vacina.
A OMS e a comunidade internacional já puseram em prática as lições aprendidas na crise do ebola?
Lucey: Acho que sim. Por exemplo, o Brasil respondeu de uma forma muito rápida à crescente epidemia de microcefalia, e a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) fez um excelente trabalho na emissão de alertas epidemiológicos.
Acho que o alerta nível dois para viajantes, emitido pelos CDS é um passo adequado e pró-ativo.
O que importa é a velocidade de resposta, os recursos colocados, e a certeza de que eles serão adequados. Você tem de reavaliar frequentemente a situação.
Essa é uma lição muito importante que deve ser aprendido com o ebola.
Após um aumento acentuado de casos na Libéria, era previsível [que o vírus se espalharia mais], mas simplesmente não havia laboratórios de diagnóstico ou profissionais de saúde suficientes.
O zika é muito diferente do ebola. Que novos desafios ele apresenta para a comunidade internacional?
Gostin: O desafio é o mosquito vetor. Esse mosquito é onipresente, encontrado em todas as regiões do mundo.
Se não formos pró-ativos e atacarmos o problema com muita determinação, o risco vai se espalhar em todo o mundo.
Se virmos uma onda de anomalias fetais nove meses após surtos de zika, será um enorme fracasso ético e de saúde pública.
Lucey: O Brasil tem uma tradição maravilhosa de pesquisas médicas e de serviços de saúde.
Que eu saiba, não há escassez de cuidados imediatos para os pacientes, o que certamente era um problema na África Ocidental.
Há uma questão urgente de investigações, e está sendo abordada.
Um desafio é os lugares onde zika é transmitido. Há muito mais viajantes para os 21 ou mais países e territórios nas Américas onde o zika está presente, em comparação com os três países muito subdesenvolvidos e pobres onde houve a crise do ebola.
Que lições sobre desenvolvimento de vacinas e tratamento aprendidas com o ebola a comunidade de saúde pública deveria aplicar no caso do zika?
Gostin: O que aprendemos é que você precisa de duas coisas para acelerar a pesquisa de vacinas. Em primeiro lugar, há a necessidade muito financiamento.
Em segundo lugar está a necessidade de parcerias público-privadas para aproveitar os melhores talentos do governo e da indústria.
Lucey: Mesmo que não ainda não haja uma vacina licenciada para o ebola, uma das coisas boas que a OMS fez no começo da crise do ebola foi reunir especialistas.
Eles decidiram que seria ético fazer estudos controlados para tratamentos e vacinas no meio de um surto, desde que fossem realizados de forma transparente e ética, com a aprovação de conselhos de revisão institucional e supervisão ética de cada um dos países.
Foi realmente uma coisa fenomenal tantos parceiros unidos realizar um estudo na Guiné.
Os resultados dessa investigação ainda estão passando pelo processo de aprovação, mas é uma história de sucesso notável.
Acho que se o Brasil e outros países afetados pela epidemia de zika optarem por trabalhar com parceiros internacionais, poderão olhar para o precedente de sucesso com vacinas contra o ebola na África Ocidental.
A entrevista foi editada e condensada para maior clareza. As entrevistas foram realizadas separadamente com Daniel Lucey, por telefone, e com Lawrence O. Gostin, via e-mail, na sexta-feira.