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O que falta para os vizinhos isolarem Maduro de vez?

Crise econômica na Venezuela, na Argentina e instabilidade política no Brasil são impasses para o fortalecimento dos acordos do continente

Vizinhos da Venezuela: antes da vitória de Maduro, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Paraguai anunciaram a suspensão de suas atividades por tempo indeterminado na Unasul (Reprodução/Wikimedia Commons)

Vizinhos da Venezuela: antes da vitória de Maduro, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Paraguai anunciaram a suspensão de suas atividades por tempo indeterminado na Unasul (Reprodução/Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 7 de junho de 2018 às 15h40.

Última atualização em 8 de junho de 2018 às 17h30.

Na terça-feira, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou uma resolução que pede a aplicação da Carta Democrática à Venezuela para suspender o país do organismo multilateral. Na segunda-feira, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pomepo, já tinha anunciado que pediria a ação ao órgão, alegando que a suspensão mostraria que a OEA sustenta suas palavras, e que este era um sinal poderoso ao regime de Nicolás Maduro. O sinal, para ele, era a rejeição do resultado nas eleições no país, que reafirmaram Nicolás Maduro no poder, e consolidaram sua crise econômica.

Embora os mais afetados com o resultado sejam os próprios venezuelanos, a situação pode afetar os já cambaleantes acordos bilaterais do continente.

Antes da vitória de Maduro, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Paraguai anunciaram a suspensão de suas atividades por tempo indeterminado na União de Nações Sul-Americanas, a Unasul. A saída de seis dos doze países que a compõe era justificada pela “falta de organização” do grupo, que ainda não teria escolhido um novo secretário-geral (países apoiavam um nome argentino, mas decisão deveria vir do presidente boliviano, Evo Morales).

A Unasul foi criada há dez anos, pelo antigo presidente venezuelano, Hugo Chávez. A União seria uma espécie de contraposição à Organização dos Estados Americanos (OEA), que conta com a presença dos Estados Unidos, país indesejado pela Venezuela de Chávez. Composta por 35 países membros, a maior e mais antiga organização da América tem tratado a crise na Venezuela como principal pauta de seus encontros, mas que não trouxeram uma solução concreta. 

Após a reeleição de Maduro, o Grupo de Lima (criado no ano passado, e composto por 17 países) se pronunciou contrário ao resultado, afirmando que não reconhecia a eleição, e que convocaria a volta de seus embaixadores que estavam na Venezuela.

Vale lembrar que o Mercado Comum do Sul, o Mercosul, suspendeu, em dezembro de 2016, a participação da Venezuela como membro permanente. A organização intergovernamental é composta por cinco países, e estabelece uma integração econômica e a adoção de uma política comercial comum na região.

Nos tempos áureos do petróleo, a Venezuela era governada por Hugo Chávez e tinha como ministro das Relações Exteriores Nicolás Maduro. A política diplomática do país, arquitetada pelos dois e baseada no Bolivarianismo  era também apoiada nos investimento diretos do país. A aliança PetroCaribe, criada em 2005, firmou um vínculo entre alguns países do Caribe e a Venezuela, que passou a fornecer petróleo em condição de pagamento especial. Com direito a voto, os países do Caribe, por exemplo, dificilmente aprovariam qualquer violação ou posicionamento crítico à Venezuela, na OEA. A decisão de terça, portanto, pode ser a primeira iniciativa da Organização em relação ao governo de Maduro. Aprovada por 19 votos favoráveis e 4 contrários, a resolução pode abre caminho para a suspensão do país. 

Mas para Eduardo Rios, pesquisador venezuelano do Observatório Político da América Latina e do Caribe, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), a influência do país vai além dos acordos e da ideologia socialista e bolivariana ainda existentes em países como Cuba e Bolívia.

Ele lembra do escândalo de 2010, quando um homem de confiança do ministro argentino, Julio de Vido, embarcou no avião da petroleira Venezuelana PDVSA com uma mala que continha 790.000 dólares não declarados. Na época, o caso foi investigado, e fez com que o ministro renunciasse ao cargo. “O caso da Argentina mostra que Hugo Chávez e Maduro tinham uma capacidade para pagar os interesses políticos da região. Seja financiando muitas campanhas políticas na América Latina, seja com petróleo, o país construiu uma relação política que é ainda muito forte”, afirma. 

Os apoios econômicos disfarçados de apoios ideológicos  continuarão, mesmo com a queda na produção do petróleo venezuelano. Dados internos da PDVSA mostraram que a Venezuela  comprou cerca de 180.000 barris por dia de petróleo estrangeiro da PetroChina, Rosneft, Lukoil, Reliance Industries e outros fornecedores, no ano passado.

A continuidade, segundo Eduardo, é justificada pela rigidez estratégica que é dado pelo discurso político. “Agora que o dinheiro do petróleo está acabando, há uma inércia política. Até que o Maduro comece a fazer atrocidades inaceitáveis, os países não tirarão o apoio à Venezuela”, afirma o pesquisador.  “Maduro não está fazendo nada de horrível além do que ele já fez em 2014. E se naquela época não falaram nada, agora também não vão falar”. 

Entraves além da Venezuela

Embora o país esteja no protagonismo dos acordos e das relações diplomáticas do continente sul-americano, ele não é o único ator que dificulta a consolidação e o fortalecimento das organizações americanas. A instabilidade política e econômica, e as mudanças ideológicas dos países são os principais fatores para o impedimento de uma evolução maior e mais rápida de acordos como o do Mercosul.

As alternâncias de poder entre partidos de centro-direita e de esquerda em países como o Chile (Sebastian Piñera e Michele Bachelet, entre 2010 e 2018), Argentina (Cristina Kirchner e Mauricio Macri, entre 2007 e 2018) e no Brasil (Luiz Inacio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer, entre 2003 e 2018) fizeram que com houvessem mudanças políticas e de estratégias econômicas nos acordos muito drásticas, que atrasaram ainda mais seu desenvolvimento.

Além do entrave político, para a ministra do Superior Tribunal Militar, professora do Uniceub (Centro de Ensino Unificado de Brasília)  e coordenadora do grupo de estudos “Jurisdição Constitucional dos Estados do MERCOSUL”, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, a base ideológica e jurídica dos países membros é um empecilho. “O bloco tem uma índole dualista, isto é, dentro da doutrina do direito internacional, o dualismo considera que há duas ordens: a doméstica, e a externa. Para que a ordem externa tenha eficácia, é necessária que haja um processo de incorporação internamente”, explica.

Ainda de acordo com a ministra, o Brasil é um dos exemplos de país latino-americano que priorizam o conceito de soberania, e por isso acaba deixando de lado as ideias de mercado comum e regionalismo. “O país sempre entendeu que era preciso respeitar a soberania do estado, e quem sempre dava a palavra final era o estado federal. Por isso, todas as decisões de um bloco são sempre acatadas como ‘recomendação’”.

Enquanto as mudanças encontram empecilhos internamente, o continente perde oportunidades de se fortalecer do lado de fora. Por isso, segundo Eduardo, é mais comum ler notícias de que o Brasil ou outro país da América do Sul assinou um acordo de cooperação com a China ou com os Estados Unidos, por exemplo, do que um acordo intercontinental. “Existe uma dificuldade econômica na região, porque a complementariedade das economias da região é fraca. As trocas complementares estão, atualmente, juntas à China ou aos Estados Unidos. Essa é a razão pela qual, apesar da situação venezuelana estar na situação em que está, o país que mais tem ‘força’ sobre a Venezuela é a China, e não seus próprios vizinhos”, afirma.

A falta de parceria econômica tem reflexos que já são velhos conhecidos: falta de produção industrial, manutenção da exportação de commodities e a falta de grandes acordos internacionais. Segundo o próprio Mercosul, o principal item exportado pelo grupo são as sementes oleaginosas, que representam 13% das vendas. Já os principais itens de importação são máquinas e equipamentos elétricos para as indústrias, representando 16% do total de produtos importados. Até mesmo fabricantes multinacionais reclamam da falta de unidade e planejamento do grupo. No mês passado, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, o presidente da General Motors para o Mercosul, Carlos Zarlenga, afirmou que sem uma definição clara sobre a política industrial e sem a aprovação de regras futuras para o comércio de veículos no Mercosul, a indústria de automóveis estaria “investindo às cegas” na região.

O mais “novo” episódio de embate comercial é o acordo comercial com a União Europeia. Travada há mais de duas décadas, a assinatura do acordo de exportação agrícola do Mercosul para o bloco europeu encontra como principal entrave os produtores europeus. Na semana passada, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, foi à Europa discutir o acordo. Para ele, os produtores sul-americanos têm dificuldade em aceitar as negociações por conta de subsídios dados a produtores europeus e da existência de barreiras comerciais. O acordo, segundo o Conselho Europeu, pode ficar só para o fim do ano.

Potencial para desenvolvimento, portanto, não é o problema. Para Phill Ley, especialista em economia global e membro sênior do Conselho de Chicago de Assuntos Globais, políticas protecionistas dentro e fora do continente têm impedido seu desenvolvimento econômico. “Os países do Mercosul têm um potencial econômico incrível. A questão é quando e como eles adotarão medidas que permitam seu desenvolvimento”, afirma. Para Eduardo, as mudanças só ocorrerão quando as ideias de os governos também mudarem. “É necessário uma unificação dos acordos, que beneficiem da melhor maneira a América do Sul”.

Se ainda há muito o que ser negociado no campo econômico, a região tem uma prova de fogo à frente, mas que pode ser um impulso para a colaboração e a união — ou para uma postura mais incisiva dos vizinhos. A emigração de venezuelanos, desde o ano passado, está movimentando todos os países vizinhos, que os recebem em condições precárias, e muitas vezes sequer possuem estrutura para isso. Estima-se que mais de 4 milhões de venezuelanos já tenham deixado o país desde o ano passado. Somente na Colômbia, 600.000 venezuelanos pediram refúgio. Os números são gritantes. Recife, capital de Pernambuco, tem 4 milhões de habitantes. A cada venezuelano que desiste de seu país, a pressão pelo isolamento de Maduro cresce. 

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