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O que está por trás da queda de braço entre Arábia Saudita e Rússia

A tensão entre os países fez bolsas globais derreterem. Por trás dessa crise, está um xadrez geopolítico complexo e que vai além do petróleo

Vladimir Putin e Mohammed bin Salman (picture alliance / Colaborador/Getty Images)

Vladimir Putin e Mohammed bin Salman (picture alliance / Colaborador/Getty Images)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 9 de março de 2020 às 17h50.

Última atualização em 9 de março de 2020 às 19h16.

São Paulo – Em meio às incertezas dos impactos que a epidemia do novo coronavírus terá na economia global, o mundo agora tem de lidar com uma nova e complexa crise no mercado do petróleo, protagonizada por Rússia e Arábia Saudita, e que causou a maior queda no preço do barril desde 1991, quando Estados Unidos e aliados bombardeavam o Iraque na Guerra do Golfo.

Por trás dessa tensão, está um xadrez geopolítico importante que envolve o presidente Vladimir Putin (Rússia) e o jovem príncipe herdeiro do trono saudita, Mohamed bin Salman. Em jogo, está a possibilidade de os russos abocanharem fatias maiores do mercado de petróleo, num momento em que a demanda por petróleo é pressionada para baixo por causa do novo coronavírus, principalmente na China. É o que avaliam analistas políticos e especialistas em petróleo ouvidos por EXAME.

Antes de mais nada, é importante entender o contexto da crise. A história começa com a tentativa saudita de fazer com que os países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), aliança da qual o reino é líder informal, cortassem a produção diária de barris de petróleo em 1,5 milhão de barris até o final do ano. O plano era diminuir a oferta para conter a queda nos preços, diante da expectativa de redução no consumo de petróleo mundo afora.

Os russos não toparam, rompendo uma união que por anos controlou esse mercado. Para retaliar, os sauditas decidiram fazer o inverso: aumentaram a produção e baixaram drasticamente os preços.

“Os russos produzem muito petróleo (cerca de 10 milhões de barris por dia) e ganham dinheiro com a escala da operação. Deparados com as ameaças do coronavírus, querem manter sua fatia no mercado e roubar o espaço de outros exportadores”, avalia Fernanda Delgado, professora do Centro de Estudos de Energia da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Quando a farinha é pouca, o meu pirão primeiro.”

Ao preservar a sua produção nos níveis atuais, portanto, a Rússia estaria de olho em avaliar os reais impactos que a doença irá trazer para o consumo do petróleo. Se a crise é inevitável, então melhor passar por ela com a maior fatia de bolo possível, aumentando os preços aos poucos, ganhando espaço dos exportadores que reduziram suas produções, como a Arábia Saudita.

A negativa da Rússia de seguir em frente com os planos da aliança também tem um componente doméstico: se na Opep a produção de petróleo é concentrada em uma empresa (a gigante Saudi Aramco), na Rússia, ela é pulverizada entre diversos atores, empresas privadas e multinacionais. “Para os russos, reduzir a produção é operacionalmente mais difícil e há pressão sobre Putin para que não apoie cortes na produção”, explica Edmar de Almeida, professor do Grupo de Economia da Energia (GEE) da UFRJ.

Do lado saudita, a equação é um pouco mais simples: trazer os russos de volta à mesa de negociação. “Há um jogo de negociação em andamento, mas acredito que ambos os lados cometeram um erro de cálculo. Agregar uma crise no petróleo à situação econômica atual é péssimo para todos. Essa queda de braço não é sustentável. Os países exportadores de petróleo dependem dessa renda”, lembrou Almeida.

A nova crise entre Rússia e Arábia Saudita, que até a última sexta-feira (06) eram aliados da Opep, é complexa por si só. Mas há, ainda, outro componente importante, que vai muito além dos ganhos financeiros no comércio dessa commodity: uma disputa de poder mais ampla entre dois países que estão de lados opostos em uma região complicada, o Oriente Médio.

“A Arábia Saudita está percebendo que o poder de intervenção de Putin no Oriente Médio cresceu demais em um momento no qual os Estados Unidos, seus aliados históricos, estão se retirando da região. A potência que restou é a Rússia, aliada da Síria e do Irã, e isso deixa os sauditas vulneráveis”, explica Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais da ESPM.

Nesse sentido, a reação surpreendente dos sauditas, explicaram os especialistas, é uma maneira de mostrar o poder na aliança e, portanto, na região. A questão é a que custo.

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