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O que está acontecendo no Sudão? Guerra e golpe de Estado deixam quase 200 mortos

Pelo menos dois hospitais da capital foram evacuados "enquanto foguetes e balas crivavam suas paredes", disseram os médicos, que alegam ter ficado sem bolsas de sangue e material para cuidar dos feridos

Sudão: conflito envolve o comandante do exército, general Abdel Fatah al Bur, líder de fato do país, e seu número dois, o general Mohamed Hamdan Daglo, conhecido como "Hemedti", comandante das Forças de Apoio Rápido (FAR).  (AFP/AFP)

Sudão: conflito envolve o comandante do exército, general Abdel Fatah al Bur, líder de fato do país, e seu número dois, o general Mohamed Hamdan Daglo, conhecido como "Hemedti", comandante das Forças de Apoio Rápido (FAR).  (AFP/AFP)

Publicado em 17 de abril de 2023 às 14h42.

Última atualização em 18 de abril de 2023 às 10h12.

Mais de cem civis morreram no Sudão devido aos intensos combates que começaram há três dias entre o exército e um poderoso grupo paramilitar e que nesta segunda-feira, 17, provocaram novas explosões na capital Cartum.

Pelo menos dois hospitais da capital foram evacuados "enquanto foguetes e balas crivavam suas paredes", disseram os médicos, que alegam ter ficado sem bolsas de sangue e material para cuidar dos feridos.

Desde sábado, 15, a cidade, de onde sobem colunas de fumaça, está imersa pelo cheiro de pólvora. Seus habitantes estão entrincheirados em suas casas, a maioria sem água encanada ou eletricidade, tremendo a cada novo ataque aéreo ou fogo de artilharia.

Quase 200 civis pessoas foram mortas até esta terça-feira, 18, reporta a AFP, cerca de metade deles em Cartum. "Dezenas" de combatentes também morreram, segundo o sindicato oficial dos médicos, que contabilizou 942 feridos.

As duas partes em conflito não divulgaram suas perdas. Em Cartum, onde circulam apenas homens fardados e veículos militares, as poucas mercearias abertas avisaram que, se os caminhões não chegarem, logo ficarão sem estoque.

Os Estados Unidos e o Reino Unido pediram nesta segunda-feira o "fim imediato" da violência, como já fizeram a Liga Árabe e a União Africana.

O conflito envolve o comandante do exército, general Abdel Fatah al Bur, líder de fato do país, e seu número dois, o general Mohamed Hamdan Daglo, conhecido como "Hemedti", comandante das Forças de Apoio Rápido (FAR).

Em outubro de 2021, eles executaram um golpe juntos que expulsou civis do poder.

Desde sábado (14), os intensos tiroteios não param e a aviação tem como alvo, no coração de Cartum, o quartel-general das FAR, um grupo de ex-milicianos que participaram da guerra na região de Darfur e posteriormente se tornaram reforços oficiais do exército.

"Burhan está bombardeando civis, vamos caçá-lo e levá-lo à Justiça", disse o general Daglo no Twitter.

O exército afirmou no Facebook que "o momento da vitória final está muito próximo".

Guerra no Sudão 2023: sem água e comida

Nesta segunda-feira ainda era impossível dizer quem controla o quê. As FAR alegam terem tomado o aeroporto e entrado no palácio presidencial, o que o exército nega. Por sua vez, o exército afirma ter em mãos o quartel-general de seu Estado-Maior, um dos principais complexos de poder em Cartum.

A televisão estatal, depois de dois dias de combates nas suas imediações, transmite agora imagens e declarações do exército, que afirma ter recuperado terreno em muitos lugares.

Médicos e organizações humanitárias alertaram que em algumas áreas de Cartum a eletricidade e a água estão cortadas e que há cortes de energia nas salas de cirurgia.

Os pacientes, alguns deles crianças, e suas famílias "não têm comida nem água", declarou uma rede pró-democrática de médicos.

Dois gregos ficaram feridos em Cartum e cerca de 15 pessoas estão escondidas na igreja ortodoxa da cidade, impossibilitadas de sair por causa dos combates, disse o arcebispo metropolitano de Núbia e de todo o Sudão, monsenhor Savvas, que está dentro da igreja.

A ONU, que propôs uma trégua humanitária de algumas horas no domingo, declarou-se "extremamente decepcionada" com o desrespeito dos beligerantes e denunciou nesta segunda-feira a "intensificação dos combates".

Combates em toda a cidade

O Programa Mundial de Alimentos (PMA) suspendeu a ajuda no domingo após a morte de três membros de sua equipe nos combates da província de Darfur (oeste), apesar de mais de um terço dos 45 milhões de sudaneses precisar de ajuda humanitária.

"Esta é a primeira vez na história do Sudão desde sua independência (em 1956) que se observa tal nível de violência no centro de Cartum", declarou à AFP Kholood Khair, fundadora do centro de pesquisas Confluence Advisory, em Cartum.

A capital "sempre foi o lugar mais seguro do Sudão", mas agora "há combates por todos os lados, inclusive em áreas densamente povoadas, porque os beligerantes acreditam que um alto número de civis mortos deterá o outro lado", acrescentou.

Violência segue

Nesta terça-feira, 18, várias explosões abalaram a capital do Sudão apesar dos crescentes apelos internacionais para cessar as hostilidades que deixaram quase 200 mortos. 

No céu de Cartum, os aviões do general Abdel Fatah al Burhan, líder de fato do país desde o golpe de 2021, tentam conter o fogo de veículos blindados paramilitares liderados por seu número dois, o general Mohamed Hamdan Daglo, conhecido como "Hemedti ".

Reunidos no Japão, os ministros das Relações Exteriores do G7 exortaram em sua declaração final "a parar imediatamente a violência (...) e devolver o poder civil ao Sudão".

Seu apelo se junta aos da ONU e dos Estados Unidos para acabar com as hostilidades, mas os combates continuam.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, enfatizou em conversas com os dois generais em conflito "a urgência de alcançar um cessar-fogo".

O general Daglo anunciou no Twitter que havia aprovado "um cessar-fogo de 24 horas", mas o exército negou no Facebook, alegando que era "uma declaração da rebelião destinada a esconder sua derrota iminente".

Os habitantes permanecem em suas casas, sem eletricidade e água encanada, e suas reservas de alimentos estão perto do fim. Os poucos mercados que estão abertos avisaram que não vão conseguir prosseguir com as atividades por muito tempo sem abastecimento.

O esgotamento ameaça os habitantes da capital. "Não dormimos há quatro dias", disse Dallia Mohamed Abdelmoniem, de 37 anos, à AFP.

Ela disse que permaneceu "trancada" com sua família por medo dos constantes bombardeios e confrontos de rua que deixaram mais de 185 mortos desde sábado, segundo a ONU.

Mais de 1.800 feridos

A ONU contabiliza 1.800 feridos, embora muitas pessoas tenham dificuldade em chegar aos hospitais por medo de balas perdidas ou de bombardeios militares e paramilitares em áreas residenciais. A Cruz Vermelha e a Organização Mundial da Saúde (OMS) pediram nesta terça-feira às partes em guerra no Sudão que garantam o acesso à ajuda humanitária para as pessoas necessitadas.

"Milhares de voluntários estão prontos, aptos e treinados para prestar serviços humanitários. Infelizmente, devido à situação atual, eles não estão em condições de se deslocar", disse o chefe da delegação da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, Farid Aiywar, a jornalistas em Genebra por videoconferência em Nairóbi.

"Temos ambulâncias, pessoas capazes de prestar primeiros socorros e apoio psicossocial, mas isso não será possível até que os corredores humanitários sejam garantidos por todas as partes", insistiu, sublinhando que "as organizações humanitárias sentem-se muito frustradas" por não poderem fazer o seu trabalho.

Em Darfur, reduto do general Daglo, a organização Médicos Sem Fronteiras disse que em três dias recebeu 183 feridos em seu último hospital funcional. "A maioria era civil, muitos deles crianças", segundo a ONG.

Médicos e organizações humanitárias alertaram que em algumas áreas de Cartum a eletricidade e a água estão cortadas e que há apagões nas salas de cirurgia. Os pacientes e suas famílias "não têm comida nem água", declarou uma rede pró-democrática de médicos.

"Burhan está bombardeando civis, vamos caçá-lo e levá-lo à justiça", afirmoui o general Daglo no Twitter em inglês. Já o exército afirmou no Facebook que se aproxima o momento da vitória final.

O que está acontecendo no Sudão?

Paramilitares do Sudão reivindicaram no sábado, 15, o controle do palácio presidencial e do aeroporto internacional de Cartum, na capital, após tiroteios e explosões em meio ao aumento da rivalidade entre generais que participaram do golpe de Estado em 2021. Ao menos três civis foram mortos, segundo autoridades.

O grupo paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido, em português) do general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti, apelou à população e aos militares para que se rebelem contra o Exército e o general Abdel Fatah al Burhan, líder do país africano desde o golpe há quase dois anos.

Trata-se de uma tentativa de golpe contra o regime que assumiu o controle do país também à força. Hemedti e Burhan uniram esforços para derrubar civis do poder em 2021, mas com o tempo surgiram tensões entre os dois, que culimnaram com o golpe.

Em 2020, o Sudão, que já foi um dos reinos mais prósperos do mundo, comemorava um passo importante para colocar fim à guerra civil -- então a mais longa do planeta com 17 anos de duração. Comandantes de grupos de oposição e o governo local concordaram em assinar um acordo de paz para o conflito que já matados centenas de milhares de pessoas.

O acordo permitiu que grupos rebeldes tenham representação política e possam recuperar seus direitos à posse de terra. Eles também poderão se integrar às forças armadas. Os cinco maiores grupos rivais concordaram em assinar o tratado de paz, em uma resolução histórica. O acordo ruiu desde então, e culminou no golpe de 2021 e na guerra deste ano.

Com informações da AFP.

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