Catalunha: a comunidade autônoma tenta novamente se separar do Estado espanhol (Alex Caparros/Getty Images/Getty Images)
Alexa Meirelles
Publicado em 25 de junho de 2017 às 06h00.
Última atualização em 1 de outubro de 2017 às 17h32.
Gerard Piqué é catalão. Os fãs de futebol o conhecem como zagueiro do FC Barcelona e grande ídolo do esporte. Tal como são Sergi Roberto, Sergio Busquets e Gerard Deulofeu. Todos nascidos em Barcelona, capital da Catalunha (Espanha) e integrantes da seleção que foi campeã da Copa do Mundo de 2010.
Um dos maiores times do mundo, o Barça defende não apenas os títulos conquistados em décadas de história, mas também a identidade catalã, comunidade autônoma que vive um conflito diplomático antigo com o governo espanhol. Não por acaso, a região realiza referendo pela sua independência no dia 1º de outubro.
Com pouco mais de 32 mil km², a Catalunha tem um idioma próprio e cerca de 7,5 milhão de habitantes. Hoje presidida por Carlos Puigdemont, do Partido Democrático Europeu Catalão (PDeCAT), e o parlamento conta com uma maioria esmagadora que apoia o movimento separatista. Nomes famosos também defendem essa ideia, como o famoso ex-jogador do Barça Pep Guardiola.
Guardiola atualmente treina o Manchester City, na Inglaterra, mas, em junho, discursou para cerca de 40 mil pessoas em uma escadaria de Montjüic, em Barcelona, defendendo um possível divórcio catalão.
Entre a população, contudo, o tema está longe de um consenso. Segundo dados divulgados pelo site La Vaguardía, 57,2% dos catalães apoia a separação, mas há uma minoria que defende que a Catalunha siga parte da Espanha e que é articulada pela Sociedade Civil Catalã (SCC).
É bem verdade que os resultados das últimas eleições regionais mostram que os partidos pró-independência contam com o apoio da maioria da população. No entanto, na época, essas pessoas corresponderam a 2,2 milhões de votos em um universo de 5,4 milhões.
Para Lehmann, do Instituto de Relações Internacionais da USP, apesar de serem a minoria, "a resistência à resistência” sempre existiu na Catalunha. "O governo, seja qual for, terá sempre que lidar com essas divergências”, avalia.
Já sob os olhos do governo espanhol, a resistência ante a independência funda-se em uma série de fatores. Entre eles, o econômico, especialmente quando se lembra que a Catalunha é uma potência industrial.
Mas, além da economia, a questão da identidade é um fator de relevância para este embate. “Apesar de existir uma descentralização gradual desde a redemocratização em 1975, a história da Espanha é a de um país unitário”, diz Lehmann.
Segundo Terra Friedrich Budini, coordenadora do curso de Relações Internacionais da PUC-SP, caso a Catalunha venha a se separar da Espanha, o novo país teria de fazer acordos políticos com as principais potências europeias para sobreviver.
A região autônoma é a mais rica do país, com um PIB de mais de 200 bilhões de euros. E isso poderia facilitar uma possível adesão aos quadros da União Europeia (UE), nota Terra.
“Ainda assim, acredito que as coisas só se acertariam se a separação fosse bem negociada. É difícil imaginar a União Europeia comprando uma briga com a Espanha para reconhecer a Catalunha como nação", prevê.
A dinâmica entre catalães e espanhóis mudaria num eventual processo de divórcio, explica Lehmann, já que ambos teriam de encontrar uma forma de coexistir como nações diferentes.
“É mais fácil se unir contra algo do que a favor. Acredito que a rivalidade sempre existirá, mas ser um país independente, e que precisa se defender, faria com que a Catalunha tivesse de dialogar melhor com a Espanha”.
Uma independência da Catalunha traria, ainda, instabilidade para todo o continente, avalia Lehmann, já que poderia significar a abertura de precedentes para que outras regiões fizessem o mesmo, fracionando a Europa em pequenas nações.
Esta não é a primeira vez que a Catalunha tenta se separar da Espanha. Em 2014, um referendo foi feito nos mesmos moldes. Nele, 80% dos eleitores votaram para que a comunidade se tornasse um Estado soberano.
A consulta, no entanto, foi considerada ilegal pela justiça espanhola, que classificou o plebiscito de "ferramenta de propaganda política". Embora não tenha surtido efeitos práticos, cerca de 2,2 milhões de pessoas compareceram às urnas - pouco mais de 33% da população da região.
Em 2017, contudo, o cenário parece ser outro. Segundo documentos divulgados pelo jornal EL País, se a Espanha tentar impedir o próximo referendo em outubro, a comunidade utilizará a Lei de Transição Jurídica para conseguir a sua independência.
O texto determina que uma constituição provisória com validade de dois meses seja elaborada, enquanto o parlamento promove o processo de tornar a Catalunha em uma república. Não à toa recebeu o apelido de "lei fundadora" pelos catalães.
Ainda assim, o governo espanhol já deixou claro que não pretende reconhecer esse novo referendo como constitucional. Só que os "ceifadores" - como se designam os catalães em seu hino - tampouco dão sinais de que vão desistir de tentar romper os grilhões.