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O presente de Trump para a China

O poder crescente do país – e o interesse dos Estados Unidos em contê-lo – serão incluídos no cálculo estratégico de ambos os lados no conflito EUA-Irã

TRUMP: Quanto aos EUA, os mais moderados em Washington defenderão indubitavelmente uma elaborada resposta a qualquer retaliação iraniana (Tom Brenner/Reuters)

TRUMP: Quanto aos EUA, os mais moderados em Washington defenderão indubitavelmente uma elaborada resposta a qualquer retaliação iraniana (Tom Brenner/Reuters)

Janaína Ribeiro

Janaína Ribeiro

Publicado em 17 de janeiro de 2020 às 20h15.

Claremont, California – A decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de ordenar o assassinato de Qassem Suleimani, o comandante militar mais poderoso do Irã, levantou o espectro, embora ainda distante, de uma guerra total entre os Estados Unidos e a República Islâmica. Há apenas um vencedor nesta situação: a China.

Com o mais recente erro de Trump, a história pode não estar se repetindo, mas certamente está rimando. Quando George W. Bush iniciou sua presidência em janeiro de 2001, seus conselheiros neoconservadores identificaram a China como a maior ameaça de longo prazo para os EUA. Assim, seu governo classificou a China como "concorrente estratégico" e começou a trabalhar para conter a rival asiática dos EUA.

Em abril de 2001 – no mesmo mês em que um avião espião da Marinha dos EUA colidiu acidentalmente com um caça chinês durante uma missão de vigilância de rotina no Mar da China Meridional – os EUA anunciaram a venda de um pacote de armas para Taiwan devido aos protestos chineses. As relações bilaterais caíram ao seu nível mais baixo desde a normalização dos laços diplomáticos em 1979.

Tudo mudou a partir de 11 de setembro de 2001, quando os EUA foram atingidos por um único e mais mortífero ataque terrorista da história. O governo Bush ficou tão preocupado em retaliar a Al Qaeda – objetivo que levou à decisão catastrófica de invadir o Iraque dois anos depois – que quase esqueceu do espectro distante de uma superpotência asiática.

Apenas três meses após o 11 de setembro, o governo Bush assinou a adesão da China à Organização Mundial do Comércio e a economia da China mudou rapidamente. Em 2000, a produção econômica da China totalizou US$ 1,21 trilhão – menos de 12% do PIB dos EUA. No final do segundo mandato de Bush, em 2008, o PIB da China havia atingido US$ 4,6 trilhões – mais de 31% do americano. Hoje, o PIB da China é cerca de 65% do PIB dos EUA.

Nesse sentido, a China deve seu "milagre econômico" aos ataques terroristas de 11 de setembro – ou mais precisamente, à desastrosa reação do governo Bush. Daqui a duas décadas, podemos estar dizendo o mesmo sobre o assassinato de Suleimani.

Da mesma forma que Bush, quando Trump entrou na Casa Branca, seu governo rapidamente classificou a China como o principal adversário geopolítico dos EUA e adotou uma política de confronto, exemplificada por uma guerra comercial que, apesar de um acordo de "fase um", ainda não foi resolvida. De fato, Trump reviveu a grande concorrência de poder – focada principalmente em conter a China – como princípio organizador da política externa dos EUA.

Então Trump matou Suleimani e todos os olhos se voltaram para o Irã. Se o conflito continuar a escalar - mesmo que pare antes da guerra total – provavelmente os EUA redirecionarão recursos significativos para enfrentar a República Islâmica e, tal como após o 11 de setembro, colocarão a China em segundo plano de sua política externa.

Para o presidente chinês Xi Jinping, capitalizar essa mudança exigirá uma resposta cuidadosamente calibrada. Os eventos que se desenrolam no Oriente Médio representam uma tentadora oportunidade estratégica para a China. Mas, como Xi provavelmente sabe disso, sua melhor aposta é declarar apoio ao Irã – e continuar a importar petróleo iraniano clandestinamente, desafiando as sanções dos EUA – mas evitando provocar Trump, por exemplo, fornecendo armas aos iranianos.

Mas, mesmo que a China limite seu envolvimento, ela não pode passar completamente despercebida. O poder crescente do país – e o interesse dos Estados Unidos em contê-lo – serão incluídos no cálculo estratégico de ambos os lados no conflito EUA-Irã.

O Irã já declarou efetivamente que o acordo nuclear de 2015, o Plano Abrangente de Ação Conjunta está morto, anunciando que seu programa nuclear agora não terá "limitações na produção, incluindo capacidade de enriquecimento do urânio". Se os líderes do Irã acreditarem que os EUA tentarão evitar cometer os mesmos erros estratégicos de Bush, inclusive em relação à China, eles podem optar por uma retaliação mais ousada.

Quanto aos EUA, os mais moderados em Washington defenderão indubitavelmente uma elaborada resposta a qualquer retaliação iraniana, principalmente para evitar perder de vista o desafio da China. Mas os cálculos de Trump são motivados, em grande parte, pelo seu desejo de apresentar uma imagem de "durão" aos eleitores antes das eleições presidenciais de novembro (precisamente o que ele acusou seu antecessor Barack Obama de planejar em 2011). E ele está cercado por bajuladores muito mais inexperientes do que qualificados conselheiros.

Dezessete anos atrás, Bush entrou por opção em uma guerra no Oriente Médio que, além de custar grandes quantidades de sangue e tesouro dos EUA, frustrou os esforços para conter a China. Trump ainda pode evitar cometer o mesmo erro. Mas com todos os tweets desequilibrados – por exemplo, ameaçando atacar locais culturais iranianos (um crime de guerra) se o país retaliar – as chances de que a sanidade estratégica prevaleça parecem diminuir, e as esperanças de Xi para o ano novo aumentam.

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