"Dama de gelo?": candidata Claudia Sheinbaum é favorita nas eleições presidenciais do México (Maurício Moura/Divulgação)
Redação Exame
Publicado em 3 de junho de 2024 às 00h30.
Última atualização em 3 de junho de 2024 às 08h39.
Por Mauricio Moura*
Histórica e de muitas histórias. Assim será lembrada eleição de 2 de junho de 2024 para os mexicanos e mexicanas. E foi isso que mais ouvi dos eleitores locais nas ruas e zonas de votação da Cidade do México.
Motivos não faltam para esse sentimento: a cientista Claudia Sheinbuam será a primeira mulher presidente da democracia mexicana, houve o maior número de cargos em disputa e ainda foi o processo eleitoral mais violento da história, com quase uma centena de homicídios relacionados.
A vitória da candidata do Partido Morena consolida também uma mudança histórica do equilíbrio eleitoral mexicano.
Foram disputadas aproximadamente 20.700 vagas eletivas, desde a presidência da República, passando por 128 no Senado, 500 na Câmara dos Deputados, 8 governos estaduais (+ 1 chefia do governo da Cidade do México) e mais as vagas para 31 assembleias locais, 1580 distritos e de 40 prefeituras.
Os quase 100 milhões de eleitores tiveram a tarefa de escolher desde presidente a vereador na maioria dos locais de votação.
Nas zonas eleitorais em que estive na Cidade do México e região, eram 6 urnas para cada eleitor depositar seus votos. O processo mexicano de votar é muito mais longo que o brasileiro e muitas filas eram a imagem constante nos pontos de votação.
Essa grande mobilização eleitoral elegeu Claudia Sheinbuam, ex-prefeita da Cidade do México, como a primeira mulher presidente da história.
O país se juntará a outros vizinhos latino-americanos que já trilharam esse caminho (como Michelle Bachelet no Chile, Dilma Rousseff, no Brasil, Cristina Kirtchner, na Argentina, Mireya Moscoso, no Panamá, e Dina Boluarte, no Peru).
A vitoriosa derrotou a empresária Xotchil Galvez da coligação dos tradicionais partidos PAN e PRI.
Além da vitória da líder do Morena, houve um avanço significativo das mulheres eleitas. Não é por acaso. Em 2014, o Congresso Mexicano aprovou uma nova lei constitucional que estabeleceu que metade de todas as candidaturas de cargos executivos tenham paridade de gênero. Nesse quesito, um grande exemplo para outras democracias latino-americanas.
Porém, se por um lado, o México avançou na maior participação nas mulheres na política, por outro, não para de regredir na violência e falta de segurança pública.
Esse ciclo eleitoral foi, infelizmente, palco de muito sangue. Segundo as organizações independentes locais, houve 320 casos de violência eleitoral (nos últimos 12 meses), e homicídio de 93 pessoas envolvidas com as eleições (sendo 36 candidatos) -- fora as centenas de ameaças de assassinatos contabilizadas oficialmente pelas campanhas.
E pior: a onda de violência eleitoral, antes concentrada a poucas regiões específicas, se espalhou pelo país e foi muito intensa em estados como Michoacán, Chiapas, Morelos, Jalisco, Estado do México, Puebla, Guerrero e Oxaca.
E se a violência se consolidou, uma nova divisão eleitoral da opinião pública mexicana também.
As eleições de 2002 e 2006, quando Vicente Fox e Felipe Calderon foram eleitos pelo PAN, e de 2012 quando saiu vitorioso Enrique Pena Nieto, candidato do PRI, tiveram um mapa eleitoral muito visível. A região sul do México, mais agrícola, votando de uma maneira e o Norte, mais industrial, de outra. Uma polarização eleitoral explicitamente regional.
Em 2018, Andrés Manuel Lopez Obrador, atual presidente, venceu em praticamente todas as regiões do país. A narrativa de sua campanha, amplamente consolidada durante sua gestão, foi que o México, na verdade, é dividido entre trabalhadores e patrões. Independentemente da sua localidade ou atividade.
Conseguiu, com excesso de carisma e populismo, estabelecer o Morena como o partido dos pobres e trabalhadores. Posicionamento que era, por muito tempo, do PRI e PRD (que depois da saída de AMLO praticamente desapareceu).
A oposição (PRI, PAN e PRD), daqui em diante, terá enorme trabalho para restabelecer um posicionamento político que a reconduza à presidência da República em 2030 e ao domínio do Congresso Nacional. Não se sabe ainda qual será haverá um caminho ou se o Morena terá o poder por décadas.
Todavia, uma coisa é certa: o legado dessa eleição do dia 2 de junho seguirá por muito tempo.
Pelo menos foi isso que vi e ouvi.
*Mauricio Moura é sócio do fundo Zaftra, da Gauss Capital, e professor da Universidade George Washington