Zhan Beleniuk em comemoração com a bandeira da Ucrânia após o título olímpico: o lutador gosta dizer que é "100% ucraniano" (Maddie Meyer/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 5 de agosto de 2021 às 15h09.
Última atualização em 5 de agosto de 2021 às 15h22.
O lutador Zhan Beleniuk, da luta greco-romana, fez história ao levar na quarta-feira, 4, o primeiro ouro das Olimpíadas de Tóquio para a Ucrânia.
Na Rio 2016, o ucraniano de 30 anos já havia ganhado uma prata, o que o tornou também o primeiro ucraniano da luta greco-romana a conquistar duas medalhas nos Jogos Olímpicos.
Mas para além do sucesso nas competições, Beleniuk chama atenção por outro motivo. Há dois anos, em julho de 2019, o lutador era escolhido pela população para se tornar o primeiro político negro eleito na história do Parlamento ucraniano.
Puxado pela popularidade garantida com a medalha no Rio, Beleniuk foi um dos dez parlamentares melhor votados da lista de seu partido, o Servant of the People (servo do povo, em tradução livre), o mesmo do atual governo ucraniano.
Em seus dois anos de mandato até agora (a próxima eleição é em 2023), Beleniuk se destacou sobretudo na defesa de políticas para o esporte, sendo também membro do Comitê para Juventude e Esportes no Parlamento.
Em 2019, o atleta disse que seu principal objetivo é "desenvolver os esportes na Ucrânia, o movimento esportivo, de modo que nossa nação possa ser saudável, atlética e mostrar bons resultados no cenário internacional".
As histórias de atletas que têm profissões ou formações fora do esporte ganharam destaque nas Olimpíadas: de casos como da judoca brasileira Gabriela Chibana, que é enfermeira, à australiana Jo Brigden-Jones, do caiaque, que atuou na linha de frente contra a covid-19 como paramédica.
Também não é incomum que atletas, sendo personalidades públicas e amplamente conhecidas, se tornem políticos. No Brasil, exerceram ou exercem mandatos nomes como o ex-senador Romário (PL), campeão mundial no futebol, a senadora Leila Barros (Cidadania), do vôlei, o deputado e ex-nadador Luiz Lima (PSL), entre outros.
Mas isso ocorre, no geral, após a aposentadoria, o que torna o caso do lutador ucraniano mais peculiar.
Embora lute desde os nove anos de idade, Beleniuk é também estudou administração de empresas pela Interregional Academy of Personnel Management, instituição na cidade de Kiev, capital da Ucrânia, onde cresceu.
Apesar da popularidade na Ucrânia, Beleniuk nem sempre foi bem visto.
O lutador é filho de mãe ucraniana e pai nascido em Ruanda. Após estudar aviação na Ucrânia, seu pai morreria atuando como piloto na Guerra Civil de Ruanda, nos anos 1990.
Com o episódio, Beleniuk foi criado em Kiev pela família materna, em um apartamento de um cômodo. (abaixo, foto do atleta com a mãe)
Em entrevistas anteriores, Beleniuk já falou sobre o racismo sofrido no país e as dificuldades em encontrar uma identidade por ser mestiço. Ao jornal Tribuna.com, disse se sentir "muito branco para a África, muito escuro para a Ucrânia".
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O lutador ucraniano disse já ter recebido propostas para se naturalizar e treinar nas seleções da China e do Azerbaijão, países com mais história na luta greco-romana, mas afirma jamais ter cogitado deixar de ser ucraniano.
"Eu me considero 100% ucraniano", frisou repetidas vezes. No pódio desta semana, o lutador apresentou uma dança típica do país, a hopak, como já tem feito em outras vitórias. "Mais cedo ou mais tarde, haverá mudanças positivas."
A Ucrânia, país que já fez parte do bloco comunista liderado pela antiga União Soviética (URSS), tem maioria da população branca, de diferentes etnias. Beleniuk nasceu em 1991, meses antes de a Ucrânia proclamar independência frente à URSS.
Os negros são menos de 10% da população de 45 milhões de pessoas do país, vivendo sobretudo em grandes cidades — que se tornaram mais heterogêneas do que na infância de Beleniuk nos anos 1990.
Ainda assim, segundo as organizações de direitos humanos, o sentimento racista ligado à xenofobia ainda é um dos mais presentes, de modo que é comum que cidadãos ucranianos negros sejam confundidos com estrangeiros.
Esse cenário foi um dos responsáveis por fazer com que Beleniuk fosse o primeiro parlamentar negro, somente em 2019.
O mandato do lutador também não acontece em momento dos mais tranquilos para a política ucraniana. O país se envolveu desde 2014 em um conflito com a Rússia, depois de o governo russo de Vladimir Putin anexar o território da Crimeia, que ficava na Ucrânia. A fronteira do país com a Crimeia é palco de conflitos armados e milícias desde então.
Antes disso, a Ucrânia vinha também se aproximando da União Europeia, o que desagrada Moscou.
Como retrato da bagunça política da Ucrânia, a eleição de 2019, a mesma que elegeu Beleniuk, levou à Presidência o "azarão" Volodymyr Zelensky.
O presidente era comediante e atuou numa série onde zombava da política — programa que, tal como o partido que ele viria a criar, também se chamava Servant of the People.
Zelensky venceu o então mandatário ucraniano, Petro Poroshenko, por mais de 70% dos votos no segundo turno. Uma de suas promessas de campanha é não concorrer à reeleição.
Beleniuk é do mesmo partido do presidente, e disse que recebeu o convite para se candidatar do próprio mandatário. "Ele parece ter visto qualidades em mim que ajudarão a promover o desenvolvimento do esporte ucraniano", disse à agência francesa AFP em 2019 (abaixo, foto de Beleniuk com o presidente ucraniano).
Meet Zhan Beleniuk,
Ukraine's first black MP who has been just elected to the parliament on the @ZelenskyyUa's party list. A legendary Ukrainian wrestler and Olympic medalist, he is making another kind of history for the country today. pic.twitter.com/Tgk4q9VaBO
— вареничок.eristavi 🇺🇦🏳️🌈 (@maksymeristavi) July 22, 2019
Após a eleição, o lutador afirmou que seu foco seguiria nas Olimpíadas de Tóquio apesar da atuação no Parlamento, mas que, após os Jogos Olímpicos, estaria "100% dedicado à política ucraniana". Ele já afirmou também que Tóquio tende a ser sua última Olimpíada.
"Quando minha avó se mudou para Kiev, ela tinha medo de pegar o trem com uma pessoa negra, mas o mundo está mudando. Espero servir como um bom exemplo", disse em 2016, após a medalha no Rio. A ver quais projetos o atleta e parlamentar liderará na volta para casa.