EL AISSAMI E MADURO: o novo vice-presidente reforça a linha dura do governo venezuelano / Miraflores Palace/ Reuters
Da Redação
Publicado em 10 de janeiro de 2017 às 10h24.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h31.
Lourival Sant’Anna
O mandato do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, chega à sua metade nesta terça-feira, selando o fim da possibilidade de uma nova eleição presidencial. Pela Constituição, se houvesse um referendo revogatório, a partir de agora, e o “sim” vencesse, Maduro seria substituído pelo seu vice. Com o firme controle dos chavistas sobre a Justiça — incluindo a eleitoral —, o governo impediu a realização do referendo, apesar de a oposição ter reunido em junho 1,3 milhão de assinaturas — seis vezes mais que o necessário para dar início ao processo.
Em meio ao caos econômico de seu país, com inflação de 500% e escassez de alimentos e de outros produtos básicos, Maduro celebrou esse passo importante no seu projeto de permanência no poder com a substituição, na quarta-feira 4, do vice-presidente (que é nomeado por ele), dos principais ministros e do presidente da estatal do petróleo PDVSA. Segundo analistas venezuelanos ouvidos por EXAME Hoje, os novos membros do gabinete são mais próximos de Maduro, um ex-motorista de ônibus que não conta com o carisma nem com a unanimidade em seu Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) de que usufruía Hugo Chávez, morto em março de 2013.
Para o cargo de vice-presidente, Maduro escolheu o governador do Estado de Aragua, Tareck El Aissami, um advogado de 42 anos, conhecido por sua rigidez doutrinária e defesa da linha dura na repressão à oposição. De acordo com a analista Anabella Abadi, da consultoria ODH, de Caracas, a nomeação de El Aissami foi a confirmação de um rumor que circulava havia vários meses: “Faz parte de um conjunto de nomeações destinada a manter o gabinete nas mãos de grupos que, ao menos na aparência, são mais fiéis a Maduro”.
O presidente colocou dois militares no gabinete. O almirante César Alberto Salazar é o novo ministro de Obras Públicas, cargo-chave na troca de mãos do dinheiro público. Os lucrativos negócios de comércio exterior e distribuição interna já estavam nas mãos de oficiais. Com isso, Maduro garante o apoio a seu governo das Forças Armadas Bolivarianas, que foram politizadas por Chávez. Para o Ministério do Eco-socialismo e da Água, o presidente nomeou o coronel Ramón Celestino Velásquez.
Adán Chávez, irmão mais velho do ex-presidente, ex-governador de Barinas e ex-ministro da Educação no governo de seu irmão, foi nomeado para a pasta da Cultura. E o até então vice-presidente Aristóbulo Istúriz, de 70 anos, foi para o Ministério para as Comunas e Movimentos Sociais, que distribui as bolsas para as “missões”, com as quais o chavismo sustenta seus apoiadores.
Carlos Cárdenas, analista da consultoria IHS Markit Country Risk, de Caracas, explica a diferença de perfil entre os dois vice-presidentes: “Istúriz tem muito maior conexão com as massas e grupos de esquerda dentro do chavismo e, de certo modo, tinha a capacidade de dialogar com a oposição de maneira construtiva. Por outro lado, El Aissami tem uma posição mais dura e de confrontação com a oposição. Maduro o nomeia especificamente para se contrapor e debilitar os esforços da oposição”.
Com esse fim, diz Cárdenas, o presidente colocou El Aissami à frente do recém-criado Comando Antigolpe, do qual participam também Diosdado Cabello, ex-presidente da Assembleia Nacional e outro linha-dura chavista, e mais os ministros da Defesa e do Interior.
Essa descrição revela a estratégia de Maduro para essa segunda parte crítica de seu mandato, em que a crise econômica só tende a se aprofundar: de um lado, mais proximidade com a base chavista e, de outro, um recrudescimento em relação à oposição.
“El Aissami é um líder muito próximo do presidente, de sua total confiança”, observa Luis Vicente León, diretor do instituto de pesquisas Datanálisis, de Caracas. “Sua nomeação serve para mandar mensagens adicionais da força que continua tendo para tomar as decisões fundamentais do país e selecionar sem limites seus aliados. É uma nomeação perfeitamente lógica dentro da estratégia de fortalecimento do grupo madurista.”
León também compara os dois: “Istúriz é mais light em suas mensagens públicas e tem mais relações com a oposição, enquanto que El Aissami é um líder duro com o verbo e com o Twitter”, diz ele. Donald Trump faz escola. O diretor do Datanálisis acrescenta que o novo vice-presidente “também tem um interesse manifesto no setor produtivo”, que demonstrou no Estado que governava, Aragua, onde procurou promover as pequenas e médias empresas. Outro tema de seu interesse, que, ao lado do desabastecimento, preocupa os venezuelanos comuns, é a segurança pública, diz León. O problema, para a oposição, é que El Aissami não gosta de reprimir apenas os criminosos.
A calamidade econômica
Quanto ao referendo revogatório, introduzido por Chávez na Constituição para dar legitimidade a suas reeleições ilimitadas, já que ele confiava em sua popularidade, com Maduro está enterrado de vez. “O governo, que controla o Conselho Nacional Eleitoral e o Tribunal Supremo de Justiça, tem sido muito claro”, assegura Cárdenas. “Não se vai realizar nenhum referendo revogatório na Venezuela. A continuidade do PSUV no poder está constitucionalmente garantida depois deste 10 de janeiro, inclusive se Maduro decidir renunciar em função de uma explosão social resultante da difícil situação econômica no país.” Para o analista, a nomeação de El Aissami busca justamente dar o recado de que “o governo não vai tolerar chamados a eleições antecipadas”.
De qualquer forma, do lado da oposição, pondera Abadi, “já não há incentivos para seguir impulsionando o referendo, pois o vice-presidente terminaria o mandato”. E do lado do governo, “uma renúncia seria mais conveniente do que medir-se com a oposição numa eleição nacional em 2017”.
E a razão disso é a situação calamitosa da economia. Asdrúbal Oliveros, da consultoria Ecoanalítica, de Caracas, prevê que a economia crescerá em torno de zero este ano, e que a inflação fique em torno de 850%. As exportações, impulsionadas pelo aumento do preço do petróleo, devem crescer 15,6 % e as importações, deprimidas pelo baixo consumo, apenas 0,4 %, dando algum fôlego nas divisas em moeda forte.
“Em resumo: 2017 se parece muito com 2016, mas com uma deterioração que não se estanca, pois a única forma de a economia retomar o caminho da recuperação será através de reformas estruturais, e isso parece distante, por agora”, assinala Oliveros. “O novo vice-presidente é visto como um radical na economia, ainda que às vezes pragmático, com relações com círculos empresariais importantes”, diz o analista. “Não vejo em sua designação uma mudança no modelo econômico, mas creio que o chavismo continuará apelando para aumentar o peso do Estado, fazer alianças com alguns empresários e manter os esquemas de controles na economia.”
Jesús Casique, diretor da consultoria Capital Market Finance, de Caracas, prevê que a inflação pode chegar a 2.000% este ano, depois de ter ficado entre 500% e 800% no ano passado — a variação se deve ao fato de não haver dados oficiais confiáveis. O PIB encolheu 12,5% em 2016, calcula Casique.
“A economia vai se manter em recessão e a inflação seguirá em três dígitos”, prevê Cárdenas. “O ambiente de negócios vai continuar se deteriorando rapidamente e vão aumentar as dificultades para as empresas que operam na Venezuela. As autoridades econômicas não vão rever o modelo econômico por temor de que medidas de ajuste levem a uma explosão social.”
“Será o quarto ano de recessão”, observa Abadi. “E nada parece indicar que a inflação desacelerará, pois a liquidez continua crescendo, enquanto que a produção segue em queda.”
Maduro anunciou no domingo um aumento de 50% no salário mínimo, que passou a 40.638 bolívares (equivalentes a 4,07 dólares). Somando ao benefício de alimentação, de 63.720 bolívares, a renda mínima mensal ficou em 104.358 bolívares (10,45 dólares).
Na lógica da espiral inflacionária, como bem sabem os brasileiros com mais de 30 anos, isso significará novo aumento de preços, embora o governo tente não reconhecê-lo: “O aumento do salário mínimo de maneira alguma pode ser entendido como aumento dos preços”, declarou nesta segunda-feira o ministro do Trabalho, Francisco Torrealba. “Nas estruturas de custos das empresas, o custo do que é a remuneração dos trabalhadores não é diretamente proporcional ao que se aumenta”, acrescentou ele, ignorando a lei da oferta e da procura. “Onde ocorrer esse tipo de excessos, terá de ser aplicada fiscalização, supervisão e sanções, se for o caso.”
Torrealba ensina: “O governo revolucionário segue o modelo correto, que é o socialista, cuja essência é privilegiar a condição humana de quem vive neste país. As riquezas na revolução se distribuem de forma equitativa, justa e correta entre todos os venezuelanos”.
Para Cárdenas, “a ausência de medidas econômicas para superar a crise econômica vai terminar levando a maior intervenção estatal, controles de preços mais estritos e maiores dificuldades para obter divisas externas”. Ele prevê que empresas de alimentos estarão ainda mais ameaçadas de expropriação — o que por sua vez inibe investimentos em produção e consequentemente agrava o desabastecimento.
Triste fim, e perfeitamente previsível, do “socialismo do século 21”.