Imigrantes chegam a ilha grega: "Este é um caso de grande desastre que está entre os mais complexos para ciência forense", explica antropóloga (REUTERS/Yannis Behrakis)
Da Redação
Publicado em 10 de novembro de 2015 às 11h48.
Uma cicatriz, uma tatuagem, uma foto no bolso da roupa: estas são algumas pistas que os especialistas italianos exploram para cumprir a triste missão de identificar milhares de migrantes que morreram na tentativa de atravessar o Mediterrâneo.
A antropóloga forense Cristina Cattaneo e sua equipe, com luvas, jalecos e máscaras de proteção, têm o desafio pela frente.
A Marinha italiana acaba de depositar o contêiner refrigerado com vários corpos recuperados perto de um barco de pesca que afundou em abril em uma das maiores tragédias do ano, que provocou quase 800 mortes.
"Temos que fazer o possível para identificar estas pessoas", disse Cattaneo, diretora do laboratório Labanof da Universidade de Milão, especializada na identificação de restos mortais em decomposição, carbonizados ou mutilados.
Identificar aqueles que fracassaram no sonho de iniciar uma nova vida, homens, mulheres e crianças que fugiam da guerra, perseguições e pobreza, parece um objetivo titânico.
Os contrabandistas não apresentam listas de passageiros e os parentes das vítimas têm medo de denunciar os desaparecimentos por medo de represálias.
Mas os especialistas italianos não perdem a esperança e examinam com cuidado os corpos inchados.
Em barracas refrigeradas instaladas em uma área da base da Otan em Melilli, Sicília, examinam quase 20 corpos por dia.
O número de vítimas fatais ou desaparecidos no Mediterrâneo chega a 3.440 migrantes apenas em 2015, segundo a ONU, e muitos corpos não foram recuperados e permanecem não identificados na Itália, assim como em outros países, como a Grécia.
"Este é um caso de grande desastre que está entre os mais complexos para ciência forense", explica Cattaneo, considerada uma das grandes especialistas do tema na Itália.
A pedido de Vittorio Piscitelli, diretor da Agência de Pessoas Desaparecidas, a instituição estabeleceu como meta a criação de um arquivo europeu com base no DNA.
Graças às análises de DNA é possível encontrar um parente próximo ao comparar resultados com mostras fornecidas ou enviadas pelos interessados.
A colaboração, no entanto, é difícil no caso de pessoas da África ou Paquistão e praticamente impossível com cidadãos da Síria ou Eritreia.
A equipe do Labanof faz fotografias de tudo o que é possível identificar nos corpos destroçados depois de vários meses na água: dentes, orelhas, unhas, cicatrizes, tatuagens, piercings, etc.
"É um gesto de respeito pela dignidade humana. Além disso, está comprovado que as dúvidas sobre a morte viram uma forma de tortura para os familiares", afirma Cattaneo.
"Conseguimos identificar 28 pessoas desta maneira, mostrando o álbum de fotos a pessoas que vieram da Alemanha, Suíça, França," conta Piscitelli.
A agência deseja envolver a Comissão Internacional sobre Pessoas Desaparecidas (ICMP), com sede em Sarajevo, que identificou dois terços dos 40.000 desaparecidos no conflito da década de 1990 na ex-Iugoslávia.
Também trabalhou com as vítimas do tsunami de 2004 na Tailândia e do furacão Katrina nos Estados Unidos em 2005.
Cattaneo propôs às autoridades da Itália a distribuição de álbuns de fotos nos países de origem dos migrantes, o fornecimento de kits para obter mostras de DNA dos familiares e a repatriação dos corpos identificados.
Do outro lado da Sicília, em Palermo, uma equipe de agentes antimáfia também prepara álbuns de fotos, neste caso com objetos retirados dos corpos dos migrantes encontrados mortos dentro de barcos.
As imagens mostram colares, fotos de passaporte, um pequeno exemplar do Alcorão, telefones celulares, cédulas.
Os objetos emanam um odor intenso, pois os corpos estavam em estado de putrefação, mas podem ajudar a elucidar o drama.
"Estas vítimas morrem depois de passar vários dias no mar em condições absolutamente indescritíveis, são irreconhecíveis, têm o rosto desfigurado pelo avançado estado de decomposição", explica Carmine Mosca, chefe do departamento de homicídios.
"Até as pessoas que viajavam com eles, amigos ou parentes, não conseguem reconhecê-las", completa.
"Alguns foram identificados graças aos últimos números registrados no telefone ou porque haviam escrito algo em um papel, na roupa, no cinto", conta.
O projeto de criar um banco de dados europeu com todos os elementos úteis para a identificação dos mortos e desaparecidos é quase uma utopia diante da emergência humanitária, a prioridade absoluta, e quase todos os recursos são destinados aos sobreviventes.