Tim Jackson: "Claro que adoramos novidade, mas nossas sociedades nunca se desenvolveriam sem um pouco de tradição e conservação" (Getty Images)
Vanessa Barbosa
Publicado em 18 de junho de 2012 às 00h19.
Rio de Janeiro - A sustentabilidade tem a ver com o desenvolvimento das pessoas, com o bem-estar, com o direito de todos compartilharem de forma justa os recursos do planeta - respeitando, claro, os limites do meio ambiente, sem prejudicar gerações futuras. Apesar de atrativo, o conceito ainda não está inoculado no DNA da sociedade como sugere o último artigo da Nobel de Economia Elinor Ostrom, morta às vésperas do início da Rio+20.
O que falta para isso acontecer? "A economia tem que estar a serviço do desenvolvimento sustentável", defende o economista britânico Tim Jackson, professor da Universidade de Surrey, na Inglaterra, e autor de Prosperity without Growth: Economics for a Finite Planet (Prosperidade sem crescimento: Economia para um Planeta Finito), livro que causou polêmica ao defender a ideia de prosperidade sem crescimento econômico - pelo menos da forma como conhecemos hoje, marcado pela lógica do consumo exacerbado.
A Rio+20, segundo ele, vem em hora oportuna. "Num momento em que sabemos que temos que mudar a forma como a economia funciona - não por motivos ecológicos, nem sociais, mas para o bem da própria economia. O sistema vigente, de expansão desenfreada do consumo cria dívidas insustentáveis e constrói instituições em torno dessa dívida. Essa é a economia que entrou em crise em 2008", ressalta. Confira a seguir algumas ideias e críticas do economista ao sistema financeiro e à lógica do consumo.
Como é possível colocar a economia a serviço da sustentabilidade?
Precisamos de uma economia que opere dentro dos limites do Planeta. Para alcançarmos isso temos que lidar com o dilema do crescimento, que se baseia num fato simples: o crescimento é insustentável, pelo menos da forma que o conhecemos hoje. Nossa economia já está operando além dos limites de segurança que o meio ambiente suportaria.
É um dilema porque o oposto do crescimento no sistema corrente é instável e isso assusta os políticos. Quando a economia deixa de crescer, as pessoas perdem seus empregos, têm a renda a diminuída e consomem menos bens, afetando a arrecadação dos governos - e isso apavora os políticos.
E como se escapa desse dilema?
A ideia predominante para se escapar do dilema do crescimento é conhecida como decoupling. Trata-se de desacoplar o crescimento econômico do crescimento de consumo de materiais, processo algumas vezes chamado de dematerialização [redução na intensidade no uso de materiais e energia na produção industrial].
Em termos amplos, trata-se de um apelo ao desenvolvimento de tecnologias mais eficientes para que possamos continuar crescendo sem desrespeitar os limites do planeta e dos recursos naturais. O problema é que será muito difícil atingir um bom nível de decoupling num mundo onde todos anseiam pelos padrões de consumo da civilização ocidental.
De que forma tecnologias mais eficientes ajudam a resolver esse problema?
Tornando a produção de mercadorias mais eficientes, ou seja, cada vez menos dependente de recursos e commodities. Dessa forma, é possível reduzir intensidade em carbono, ou seja, a quantidade de dióxido de carbono (CO2) emitida por cada dólar de atividade econômica. Em 2050, seremos 9 bilhões de pessoas.
Imagine todas essas pessoas consumindo seguindo os padrões atuais de intensidade de carbono. Hoje, investimos muito no aumento da produtividade laboral. Isso leva a preços baixos e imediatamente a uma maior consumo.
Mas o sistema econômico que temos hoje não é capaz de entregar essa mudança?
O capitalismo progride por um processo de destruição e construção que leva a novidades, a mercados nunca antes desbravados, a produtos inéditos. Isso gera no ser humano um desejo pelo novo. Queremos um carro novo e mais veloz, um celular novo, um brinquedo novo, uma casa maior. Temos o consumo como um fenômeno que perpassa as relações sociais, status e identidade.
Parece estranho tentar ligar a estrutura da economia à natureza do coração humano. Mas isso explica por que é tão difícil nos desligar desse sistema, onde governos, bancos e instituições nos estimulam a sair e comprar coisas que não precisamos e com dinheiro que não temos. E tudo isso para criar impressões passageiras em pessoas que não conhecemos e não nos importamos. É esse sistema quase perverso marcado pela lógica do consumo que levou à crise financeira e a um ponto que precisamos dizer: essa economia não funciona - e não funciona em particular para as nações ricas.
Como é possível ter prosperidade sem crescimento econômico?
O que importa pra gente no fim do dia são os benefícios sociais e psicológicos das nossas atividades. Claro que precisamos de casa e de alimentação, mas no final tudo isso influencia a sensação de bem estar, de nos sabermos cidadãos decentes de uma sociedade boa. No final o que precisamos não são produtos materiais, mas serviços, saúde, educação, assistência social, lazer e recreação, museus, parques...lugares onde nos sintamos que somos cidadão respeitados.
Prosperidade pode ser apenas proteger o que é humano. Para alcançar isso precisamos reformar o sistema financeiro e suas instituições. Precisamos de uma economia onde as coisas que medimos como progresso passam a ser a capacidade de viver bem. Mas não podemos fazer isso sem respeitar os limites do planeta. É a visão de que dependemos dos serviços naturais fornecidos pelo meio ambiente e de que temos uma dívida com a natureza.
A quem caberia essa transformação?
Boa parte da responsabilidade dessa transformação para mim está nas mãos dos países ricos, que insistem em continuar crescendo, mesmo tendo em vista que os benefícios desse crescimento são cada vez menores, comprado ao aumento das deficiências.
E qual papel que cabe a cada pessoa, individualmente?
Primeiro, é importante lembrar que não nascemos consumidores. Temos instintos que nos tornam aptos ao consumo sob certas circunstâncias. Mas parte da nossa natureza humana não tem a ver com a busca pelo novo ou excitamento e hedonismo. Temos partes morais e éticas, de nos preocuparmos com outras pessoas, e um dos comportamentos como consumidores tem a ver com isso: quando damos uma presente a alguém. Uma das trocas sociais mais antigas na sociedade não tem relação com a acumulação de riqueza material, tem a ver com estabelecer relacionamentos.
O problema é que somos constantemente bombardeados pela ideia de que o crescimento material nos trará felicidade, com visões de que a boa vida reside no hedonismo puro, na vida de celebridade. E isso tudo tem um efeito terrível, principalmente sobre as crianças. Tenho filhos na escola, e eles têm aula de educação ambiental, ao mesmo tempo em que são confrontados com todos esses sinais de consumo, que dizem que seu status social e sua identidade dependem de bens materiais.
A melhor forma de ser verde é se libertar desse ciclo e viver uma vida mais humana. É uma escolha prudente abandonar a visão da criança numa loja de brinquedo querendo comprar fervorosamente tudo. Claro que adoramos novidade, mas nossas sociedades nunca iriam se desenvolver sem um pouco de tradição e conservação.