NAFTA: Trump e primeiro-ministro canadense se encontram para negociar Tratado em 2017 (Jonathan Ernst/Reuters)
Redação Exame
Publicado em 20 de janeiro de 2025 às 13h20.
Última atualização em 20 de janeiro de 2025 às 13h47.
Por Michael Paramathasan*
A abordagem em evolução do Canadá às ameaças comerciais sob o governo do presidente Donald Trump oferece insights valiosos para potências médias que buscam navegar pelas turbulentas águas do nacionalismo econômico. Ao aproveitar ativos estratégicos e adotar uma postura mais assertiva, o Canadá demonstra como nações profundamente integradas às cadeias globais de suprimento podem proteger seus interesses mesmo diante de parceiros muito maiores. Para o Brasil, a maior economia da América Latina, a guinada do Canadá — de uma aquiescência diplomática para um confronto calculado — fornece lições fundamentais sobre como elaborar estratégias comerciais eficazes em um mundo cada vez mais polarizado.
O sistema global de comércio entra em uma fase em que potências médias devem confiar em sua capacidade de alavancagem estratégica, e não em boa vontade. O Brasil, com seus vastos recursos e influência, tem o potencial de moldar — em vez de apenas reagir a — essa nova realidade.
O Canadá está levando a sério as ameaças tarifárias do sr. Trump, desenvolvendo uma estrutura de retaliação em três etapas. Essa estratégia começa com a imposição de tarifas específicas sobre bens de consumo de estados norte-americanos politicamente sensíveis, como Flórida, Kentucky e Tennessee, para maximizar a pressão política sobre o governo Trump.
Se essas medidas falharem, a resposta canadense irá escalar para tarifas mais amplas, além de impostos e restrições de exportação em commodities críticas, como energia hidrelétrica, urânio e potássio. Entretanto, divergências internas — como a oposição de Alberta (província produtora de petróleo no oeste do Canadá) ao uso do petróleo como forma de alavancagem — destacam a importância de um alinhamento político interno para manter a força de negociação.
“Nunca subestime os canadenses”, disse a ministra das Relações Exteriores, Mélanie Joly, conforme noticiado pelo New York Times, refletindo a determinação do país. “Lutamos com muita determinação e somos muito corajosos. Estamos dispostos a agir de forma cirúrgica e adequada para impactar empregos americanos.”
Durante o primeiro mandato de Trump, a preferência do Canadá por negociações de bastidores acabou convidando a novas exigências. Sob Chrystia Freeland, então ministra das Relações Exteriores responsável pelas negociações, o Canadá garantiu cláusulas importantes na renegociação do NAFTA, mas ao custo de concessões significativas em acesso ao mercado de laticínios e em regras críticas de propriedade intelectual — o que gerou críticas de que esses sacrifícios prejudicaram o setor agrícola do país, aumentaram custos de longo prazo e limitaram a flexibilidade de políticas futuras.
Embora esses compromissos tenham protegido a indústria automobilística, ressaltaram a dependência e as vulnerabilidades canadenses na negociação com seu maior parceiro comercial.
Essa experiência pautou a nova estratégia do Canadá: alavancar publicamente seus ativos estratégicos de forma antecipada e adotar uma estrutura de retaliação em fases para dissuadir futuras agressões. Se Trump prefere negociar às claras, o Canadá mostra que também pode retribuir na mesma moeda.
A estrutura de retaliação em fases do Canadá foi concebida como uma resposta medida, começando com tarifas direcionadas a setores politicamente sensíveis e escalando para restrições de exportação em commodities sensíveis. Ao focar em produtos e empregos de estados-pêndulo (swing states) e redutos republicanos, o Canadá pretende influenciar os tomadores de decisão políticos nos EUA.
Essa estratégia — “deixar que os americanos conversem com os americanos” — se baseia na profunda integração do Canadá às cadeias de suprimento dos Estados Unidos e do mundo, em que interrupções, como na fabricação de automóveis (com veículos cruzando a fronteira EUA-Canadá várias vezes), teriam repercussões generalizadas. O Canadá deixou claros, de antemão, os potenciais custos dessas perturbações, enfatizando o que realmente está em jogo em um conflito comercial cada vez maior.
Em entrevista à Bloomberg, Jonathan Wilkinson, ministro de Energia do Canadá, enfatizou a lógica econômica e de segurança nacional por trás da postura mais rígida do país, destacando que os Estados Unidos não dispõem de alternativas viáveis aos recursos canadenses. Ele observou que as refinarias norte-americanas no Meio-Oeste, configuradas para processar o petróleo pesado do Canadá, enfrentariam opções pouco atraentes, como importar de uma Venezuela politicamente volátil. “O mesmo vale para minerais críticos, nos quais fornecemos quantidades significativas”, acrescentou Wilkinson, “e [a alternativa dos EUA] seria comprar da China. O mesmo ocorre com o urânio. O mesmo ocorre com o potássio, em que sim, eles têm uma alternativa: chama-se Rússia.”
De fato, o Canadá é o maior fornecedor de importações de energia dos EUA — incluindo petróleo bruto, gás natural e eletricidade. A parcela canadense das importações de petróleo bruto pelos EUA aumentou de 33% (924 milhões de barris) em 2013 para 60% (1,4 bilhão de barris) em 2023, evidenciando quão profundamente as duas economias estão entrelaçadas no setor de energia.
Para os formuladores de políticas e líderes empresariais brasileiros, as implicações são significativas. Assim como o Canadá, o Brasil possui recursos cobiçados por grandes potências — de commodities agrícolas a minerais de terras-raras. No entanto, a abordagem tradicional do Brasil para disputas comerciais geralmente favorece a acomodação em vez do confronto, mesmo diante de restrições questionáveis às suas exportações. A experiência do Canadá sugere que essa estratégia pode precisar de revisão. Ao enfatizar a dependência americana de seus recursos, Ottawa demonstra como ativos estratégicos podem ser usados para dissuadir ações comerciais agressivas.
A posição do Brasil se assemelha à do Canadá em pontos-chave. Ambas as nações controlam commodities vitais para as cadeias globais de suprimento e enfrentam desafios para diversificar mercados de exportação. Porém, a base de recursos do Brasil é mais ampla, e os laços com economias emergentes fornecem vantagens únicas e novas oportunidades. Tal qual o Canadá, o Brasil precisa reconhecer seu papel indispensável no comércio global — seja na soja, no minério de ferro ou nos minerais de terras-raras — e usar isso para fortalecer seu poder de barganha. Ao alinhar interesses federais e estaduais e resolver divisões internas, o Brasil pode adotar um esquema de resposta em fases, mirando grupos politicamente sensíveis para maximizar sua influência.
Conforme as cadeias de suprimento globais se reestruturam e o nacionalismo de recursos se intensifica, as forças agrícola, mineral e industrial do Brasil o posicionam para exigir relações comerciais mais equilibradas. No entanto, para concretizar esse potencial, são necessárias três mudanças fundamentais:
A experiência do Canadá ilustra como a dependência excessiva de um único parceiro comercial pode criar vulnerabilidades significativas. O Brasil vem ampliando sua atuação em mercados asiáticos e do Oriente Médio, mas precisa acelerar esse processo para reduzir sua exposição a tarifas ou sanções unilaterais. Por exemplo, o mercado da Índia, com 1,4 bilhão de pessoas e uma classe média em expansão, representa um destino privilegiado para as commodities brasileiras, mas o volume de comércio entre os dois países ainda é desproporcionalmente baixo. Barreiras tarifárias e não tarifárias, além da falta de acordos bilaterais sólidos, têm limitado o acesso do Brasil.
Da mesma forma, o Brasil mantém uma presença crescente, porém ainda relativamente limitada, no Oriente Médio. Países do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Catar, têm alta demanda por importação de alimentos e demonstram interesse cada vez maior em obter commodities de parceiros estáveis e de longo prazo.
Além de produtos básicos como soja e minério de ferro, o potencial de energia limpa, a biodiversidade e o papel do Brasil nas cadeias de suprimento de minerais críticos podem servir como poderosas ferramentas de negociação. As ameaças do Canadá de restringir as exportações de petróleo, urânio e potássio mostraram como tais ativos podem alterar a análise de custo-benefício para parceiros maiores.
O Brasil deve identificar e catalogar sistematicamente seus próprios pontos de alavancagem para fortalecer sua posição em disputas comerciais — e estar disposto a usá-los quando necessário.
A capacidade do Canadá de adotar uma postura mais assertiva depende de apresentar uma frente unida, apesar das divergências locais. O Brasil, com sua estrutura política descentralizada, precisa alinhar interesses federais, estaduais e burocráticos para ampliar seu poder de negociação. O fortalecimento da coordenação entre formuladores de políticas, setores industriais e associações comerciais garantirá que as respostas brasileiras a práticas desleais sejam claras e coesas.
É claro que o confronto traz riscos. Guerras comerciais podem escalar, aumentando a inflação e prejudicando investimentos transfronteiriços. No entanto, a experiência do Canadá mostra que a assertividade calculada — respaldada por recursos críveis — pode fortalecer, em vez de enfraquecer, posições de negociação.
Para o Brasil, a prioridade estratégica é evidente: em um mundo onde o nacionalismo econômico supera cada vez mais a ortodoxia do livre comércio, as ferramentas da diplomacia internacional devem evoluir. Isso significa preparar respostas sofisticadas a ameaças comerciais, cultivar alianças mais amplas e sinalizar determinação na defesa de interesses estratégicos.
À medida que os formuladores de políticas brasileiros enfrentam desafios comerciais futuros, a transformação em curso do Canadá ressalta uma lição fundamental: confronto não precisa substituir cooperação. Em vez disso, uma dissuasão crível — respaldada por ativos estratégicos e unidade política — pode garantir relações comerciais mais equitativas.
Em um mundo em que o comércio é cada vez mais “armamentizado”, o desafio para o Brasil não se resume a defender seus interesses, mas a converter seus ativos estratégicos em ferramentas de influência — antes que alguém, munido de sua própria versão de “art of the deal” (a arte do negócio), negocie esses ativos em seu lugar.
*Michael Paramathasan é ex-Diretor e ex-Assessor Sênior de Políticas e Assuntos Políticos do Presidente do Conselho do Tesouro do Canadá, no Gabinete Canadense. Ele desempenhou um papel fundamental na ratificação do NAFTA renegociado (USMCA) e do Acordo de Continuidade Comercial entre Canadá e Reino Unido.