Venezuela: centenas de manifestantes interditaram ruas e avenidas em Caracas e em outras cidades, em rejeição à Assembleia Constituinte "popular" anunciada pelo presidente Nicolás Maduro (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
AFP
Publicado em 2 de maio de 2017 às 21h50.
Sacos de lixo e troncos de árvores bloqueiam a passagem, enquanto Luis Guillermo Pérez busca rotas alternativas com o ônibus que ele dirige para ganhar a vida.
É mais um dia de protestos que tumultua o já angustiante cotidiano dos venezuelanos.
Logo cedo, na manhã desta terça, centenas de manifestantes interditaram ruas e avenidas em Caracas e em outras cidades, em rejeição à Assembleia Constituinte "popular" anunciada na segunda-feira (1º) pelo presidente Nicolás Maduro para redigir uma nova Constituição.
"Tive de fazer malabarismo para trabalhar, e os passageiros já sobem tensos", conta Pérez, de 52 anos, à AFP, enquanto dirige.
Desde 1º de abril, a Venezuela vive uma onda de protestos organizados pela oposição para exigir eleições gerais.
Marcados por confrontos entre manifestantes e policiais, os atos já deixaram 28 mortos e centenas de feridos.
Bombas de gás lacrimogêneo e pedras voam, o que transforma o trânsito de Caracas em um corrida de obstáculos. Administrado pelo Estado, o Metrô alega "razões de segurança" para fechar a maioria das estações nos dias de passeata da oposição.
Hoje, via-se nas ruas automóveis na contramão e um intenso fluxo de pedestres seguindo para o trabalho. O Metrô funcionou nesta quarta.
Os "engarrafamentos" foram convocados pela oposição, ao denunciar a proposta de Assembleia Constituinte como "um golpe de Estado".
A tensão coincide com um colapso econômico, que se reflete em uma inflação que deve chegar a 720% para 2017, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), e uma severa escassez de alimentos e de remédios.
"Foi difícil ir para o trabalho [por causa dos bloqueios], mas eles protestam porque estão fazendo as coisas mal", comentou o carpinteiro Carlos García, de 33 anos, que vive no 23 de Enero, populoso setor carente do oeste de Caracas, enquanto seguia a pé.
O operário David Ramos, de 58, também caminhava.
"Normalmente, levo meio hora para chegar ao trabalho. Hoje, foram duas horas, mas tem que protestar. Já deu. Não tem comida, não tem remédio", comentou, em conversa com a AFP.
Enquanto continua dando voltas com seu ônibus, Pérez reclama.
"Como vão ficar bloqueando tudo? Pedem liberdade e violam o livre-trânsito. As pessoas andam angustiadas", afirma o motorista, que apoia o governo socialista.
"Cuidado, agora queimam o ônibus, porque é chavista! O que essa gente quer é derrubar Maduro", diz uma mulher a bordo.
Um homem rebate, em seguida: "Senhora, em que país você vive? A Venezuela é um desastre".
Nesse mês de protestos, muitas lojas e escolas ficaram de portas fechadas, e algumas instituições e empresas trabalham em meio período. E, às perturbações do dia a dia, soma-se o temor.
Grupos armados em motos surgem depois das manifestações, espalhando pânico nas noites e nas madrugadas. Governo e oposição se responsabilizam mutuamente por essas ações.
Para a oposição, trata-se dos chamados "coletivos", como são conhecidas as organizações do chavismo, as quais acusam de serem, na verdade, grupos de choque.
Já o governo garante que esses homens são pagos pelos líderes da oposição para gerar "atos terroristas".
Com isso, a vida noturna praticamente desapareceu em vários setores da capital, Caracas, já bastante reduzida pela alta da criminalidade em um país com uma taxa de homicídios oito vezes maior à média mundial.
"A coisa está ruim. Por medo, muitos preferem não sair. Tampouco há ânimo", disse à AFP o funcionário de um restaurante normalmente com muito movimento em um centro gastronômico do leste da cidade.
Estabelecimentos que fecham mais cedo por medo de saques, como os registrados em 21 de abril em El Valle, zona popular caraquenha.
Entre tiroteios e acidentes, 11 pessoas morreram naquela noite.