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No Peru, um presidente com “incapacidade moral”

Kuczynski vendeu a alma para se livrar de um impeachment. Mas outro está a caminho, e as delações da Odebrecht podem solapar seu governo

PPK, AO CENTRO, NO DIA DA CLASSIFICAÇÃO PERUANA À COPA: de lá pra cá, o cerco se fechou contra o presidente  (Mariana Bazo/Reuters)

PPK, AO CENTRO, NO DIA DA CLASSIFICAÇÃO PERUANA À COPA: de lá pra cá, o cerco se fechou contra o presidente (Mariana Bazo/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 9 de janeiro de 2018 às 17h32.

Última atualização em 9 de janeiro de 2018 às 17h32.

A luta do presidente peruano, Pedro Pablo Kuczynski, para sobreviver no cargo, não terminou com a rejeição de seu impeachment pelo Congresso, dia 22, sob acusação de ter recebido propinas da Odebrecht. O líder do partido de esquerda Terra e Liberdade, deputado Marco Arana, anunciou que vai apresentar novo pedido de destituição de PPK, como é conhecido, por “incapacidade moral”.

A razão foi o indulto que PPK concedeu ao ex-presidente Alberto Fujimori, condenado a 25 anos de prisão por violação dos direitos humanos e a outros 7 por corrupção. Em troca, PPK evitou o próprio impeachment, com a abstenção de dez deputados do partido Força Popular liderados por Kenji Fujimori, filho do ex-presidente.

“Precisamos unir forças para poder construir uma democracia com governabilidade honesta e transparente”, afirmou Arana. “O pacto de impunidade firmado entre o Executivo e a Força Popular, e concretamente com Alberto Fujimori, para obter um indulto negociado, é inaceitável no país.” Ele também convocou uma manifestação para essa quinta-feira.

O partido Terra e Liberdade pertence à Frente Ampla, de esquerda, que dispõe de apenas 10 das 130 cadeiras no Parlamento unicameral. Mesmo com apoio da corrente da Força Popular comandada por Keiko Fujimori, irmã de Kenji, que disputou o segundo turno com PPK na eleição de 2016 e lidera a oposição, os que continuam tentando destituir o presidente não contam com os dois terços de votos necessários, segundo analistas peruanos ouvidos por EXAME.

“É pouco provável que esse pedido tenha êxito”, prevê Diego Moya-Ocampos, analista de Peru da IHS Markit Country Risk, consultoria com sede em Londres. “O objetivo de Arana é capitalizar o descontentamento social causado por esse acordo e reforçar sua posição como candidato da esquerda nas eleições de 2021.”

A própria esquerda no entanto está dividida. Parte dela votou contra o impeachment ou se absteve, para evitar a volta dos fujimoristas — seu maior inimigo — ao poder.

Para incentivar a esquerda a não votar pelo impeachment, PPK havia dito que seus dois vice-presidentes renunciariam se ele fosse destituído, abrindo caminho para o presidente do Congresso, o fujimorista Luis Galarreta, assumir a presidência, e para a convocação de novas eleições, que Keiko Fujimori poderia vencer. Em 2016, ela foi derrotada no segundo turno com 49,88% dos votos válidos.

Arana, um ex-padre que ganhou notoriedade por seu êxito na luta contra grandes projetos de mineração, disputa espaço com Verónika Mendoza, candidata a presidente da Frente Ampla em 2016, quando obteve 19% dos votos.

“PPK obteve maior governabilidade depois da votação do impeachment, com o apoio da corrente progressista da Força Popular, liderada por Kenji Fujimori, que quer colaborar com o governo em vez de obstruir, como sua irmã Keiko”, garante Moya-Ocampos. “Keiko continua mais popular. A corrente de Kenji é minoritária. Mas tem o apoio do velho fujimorismo e vai se fortalecer nas eleições de 2021.” Para o consultor, PPK concluirá o mandato.

Luis Benavente Gianella, diretor do instituto de pesquisas Vox Populi, de Lima, concorda que “as coisas estão melhores para PPK depois da votação do impeachment”, que o pedido de Arana não vai prosperar e que seu objetivo é alavancar sua liderança na esquerda: “A direita tem dado muitas mostras de corrupção”.

Dois outros ex-presidentes que seguiram políticas liberais estão envolvidos no escândalo da Odebrecht: Alejandro Toledo (2001-2006) e Alán García (em seu segundo mandato, entre 2006 e 2011).

Benavente no entanto diz que o destino de PPK depende do que Jorge Barata, ex-diretor da Odebrecht no Peru, revelar ao Ministério Público peruano.

O analista lembra que Marcelo Odebrecht assegurou que as propinas foram pagas a PPK quando ele era presidente do Conselho de Ministros, e não ministro das Finanças, o que aliviou um pouco a barra do presidente. Entretanto, mesmo não tendo recebido pessoalmente, por consultoria para a empreiteira brasileira, sua empresa, Westfield Capital, recebeu quando ele comandava o Ministério das Finanças.

PPK alegou que havia entregado sua gestão nesse período, mas é “uma empresa unipessoal, que administrava suas operações financeiras no exterior”, observa Benavente.

De qualquer forma, acrescenta o analista, Marcelo Odebrecht repetiu que, “para maiores detalhes, é preciso ouvir o senhor Barata”, seu diretor em Lima. “Não sabemos como se vai desenvolver esse caso”, diz Benavente. “Se houver coisas comprometedoras na delação de Barata, PPK pode ser destituído. Há questões não esclarecidas que podem trazer dificuldade a PPK.”

O analista concorda que Keiko Fujimori, a algoz de PPK, continua controlando a maior parte da Força Popular, que elegeu 71 dos 130 deputados peruanos em 2016. Mas também acha que os dez deputados representados pela corrente de seu irmão Kenji “podem se multiplicar”.

Quando foi eleito, em abril de 2016, Kuczynski, um ex-economista do Banco Mundial e ex-ministro das Finanças, parecia ter todas as credenciais para continuar o círculo virtuoso de estabilidade e reformas liberais que o Peru vem vivendo na última década e meia.

Havia uma sombra, porém: sua pequena bancada no Parlamento unicameral. Sua legenda, Peruanos pela Mudança, elegeu apenas 15 dos 130 deputados. PPK já teve de mudar todo o gabinete e nomear um novo primeiro-ministro, derrubados por um voto de desconfiança comandado por Keiko Fujimori.

Mas nada se compara ao inferno que o presidente peruano passou a viver depois que as delações de Marcelo Odebrecht começaram a detalhar os pagamentos de propinas da empreiteira brasileira para obter contratos no Peru. Em relatório entregue ao Congresso peruano no mês passado, Odebrecht afirma ter pagado 4,8 milhões de dólares entre 2004 e 2012 a duas empresas de consultorias ligadas a PPK.

Por 93 votos a favor e 48 contra, os deputados decidiram no dia 14 pela abertura de processo de impeachment, que no sistema peruano misto de presidencialismo e parlamentarismo é bastante sucinto: bastam dois terços dos votos para destituir o presidente.

Na votação do dia 22 de dezembro, PPK se salvou por 8 votos. Foram 79 a favor, 19 contra e 21 abstenções. Eram necessários 87. Dois dias depois, na véspera de Natal, o presidente indultou Alberto Fujimori, de 79 anos, justificando o gesto por seu estado de saúde. O ex-presidente sofre de câncer e foi levado para um hospital.

Keiko, a filha que liderou o processo de impeachment, não fez declarações políticas desde então. Publicou uma foto no Twitter com Alberto e Kenji, dizendo-se feliz por passar o Natal com o pai. Mas o Papai Noel da história é seu irmão Kenji. Tanto para Alberto Fujimori quanto para PPK. O presidente precisa aproveitar o presente. Até que o furacão Odebrecht volte a varrer o Peru.

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