DE SALIDA: PPK foi forçado a renunciar após vídeos que mostram a compra de votos para salvá-lo de processo de impeachment (Mariana Bazo/Reuters Brazil)
Lucas Amorim
Publicado em 21 de março de 2018 às 17h48.
Última atualização em 21 de março de 2018 às 18h16.
Quatro anos depois de seu início, a Operação Lava-Jato, que revelou esquemas de corrupção em série de empreiteiras, políticos e estatais, enfim derrubou um presidente. Mas não no Brasil: no Peru.
O presidente peruano, Pedro Pablo Kuczynski (conhecido como PPK), renunciou nesta quarta-feira após um escândalo político que começou com a empreiteira brasileira Odebrecht e uma posterior compra de votos para permanecer no cargo.
A decisão foi tomada após uma sessão do Conselho de Ministros do país e tem que ser validada pelo Congresso, o que deve acontecer até esta quinta-feira. O novo presidente peruano deve ser Martin Vizcarra, primeiro dos dois vice-presidentes do país.
No cerne da crise política peruana estão os desdobramentos da Operação Lava-Jato, que impulsionaram investigações em diversos países da África e da América Latina. Em dezembro, delações de Marcelo Odebrecht começaram a detalhar os pagamentos de propinas da empreiteira brasileira para obter contratos no Peru. Em relatório entregue ao Congresso peruano, Odebrecht afirma ter pagado 4,8 milhões de dólares entre 2004 e 2012 a duas empresas de consultorias ligadas a PPK.
O escândalo levou ao primeiro pedido de impeachment contra PPK, um ex-economista do Banco Mundial e ex-ministro das Finanças. Sua derrota era dada como certa, mas ele se salvou, em votação no dia 22 de dezembro, por 8 votos. Foram 79 a favor, 19 contra e 21 abstenções. Eram necessários 87. Dois dias depois, na véspera de Natal, o presidente indultou Alberto Fujimori, de 79 anos, justificando o gesto por seu estado de saúde. O ex-presidente sofre de câncer e foi levado para um hospital.
O caso levantou suspeitas de que PPK havia selado um espúrio acordo de salvação com sua principal adversária, Keiko Fujimori, do partido Força Popular. Filha do ex-presidente, ela foi derrotada por PPK no segundo turno das eleições de 2016 e, segundo analistas peruanos, nunca aceitou a derrota. Ela controlava cerca de 73 dos 130 parlamentares do congresso unicameral do Peru.
Dias depois de seu salvamento, o líder do partido de esquerda Terra e Liberdade, deputado Marco Arana, anunciou que apresentaria novo pedido de destituição de PPK por “incapacidade moral”. O pedido seria votado no plenário do congresso nesta quinta-feira. O curioso conceito de incapacidade moral foi incluído na Constituição do país de 1993. “Nunca imaginamos que um dia pudesse de fato ser usado. Mas o fato é que o que custou o cargo a Kuczynski foi o desejo de vingança de Keiko e da Força Popular”, diz Luis Benavente Gianella, diretor do instituto de pesquisas Vox Populi, de Lima.
Antes que o novo pedido impeachment fosse votado, o Força Popular revelou nesta terça-feira revelou vídeos nos quais deputados fujimoristas negociam votos para não votarem a favor do primeiro pedido de impeachment contra o presidente peruano. Ou seja: foi um crime perfeito, já que a própria oposição que atuou de forma corrupta para salvá-lo do impeachment acabou fazendo a denúncia que custou seu cargo.
Com a saída de PPK, o Peru se vê numa situação curiosa. Tal como no Brasil, as denúncias de corrupção se espalharam por diversos partidos e atingiram grandes nomes do lado adversário, como a própria Keiko Fujimori, também acusada de receber dinheiro da Odebrecht.
Vizcarra, o vice-presidente que deve assumir o país, renunciou em maio ao cargo de ministro de Transportes e Comunicação acusado de participar de um esquema de corrupção na construção do aeroporto de Cusco. Na época, a oposição cobrou sua renúncia também da vice-presidência do país.
Mas agora, segundo Gianella, Vizcarra pode fechar um acordo com os fujimoristas para se manter no cargo e alcançar um mínimo de governabilidade. “O temor é que ele vire uma marionete”, diz o analista. Segundo ele, a troca de governo deve aumentar ainda mais a pressão sobre os procuradores que levam adiante as denúncias. Dois outros ex-presidentes que seguiram políticas liberais estão envolvidos no escândalo da Odebrecht: Alejandro Toledo (2001-2006) e Alán García (em seu segundo mandato, entre 2006 e 2011).
No Brasil, vale lembrar, a Lava-Jato contribuiu, embora não diretamente, para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Por outro lado, as acusações contra o presidente Michel Temer (MDB) é que guardam mais semelhanças com o caso peruano. Em junho, Temer foi o primeiro presidente a ser denunciado por um crime pela Procuradoria-Geral da República.
O ex-procurador-geral, Rodrigo Janot, utilizou as gravações feitas por Joesley Batista e as delações premiadas feitas por outros integrantes do grupo J&F para denunciar o presidente, primeiro por corrupção passiva e, mais tarde, por organização criminosa e crime de obstrução de Justiça. Ambas as denúncias foram rejeitadas pela Câmara dos Deputados.
Em agosto de 2017, o então ministro da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy (PSDB-BA), foi flagrado com uma lista de liberação de emendas para os deputados em meio às negociações para a aceitação da denúncia contra o presidente.
Mas o primeiro presidente a cair com escândalos revelados pela Lava-Jato não seria um brasileiro.