PROTESTO DO AFD EM DRESDEN: região da Saxônia foi onde o partido de direita AfD teve o melhor desempenho nas eleições do último domingo. Na faixa é possível ler: “proteja a Saxônia! Fechem as fronteiras!” / Sean Gallup / Getty Images
Da Redação
Publicado em 30 de setembro de 2017 às 09h28.
Última atualização em 30 de setembro de 2017 às 16h02.
Os alemães têm uma palavra para ilustrar situações alarmantes, em que é preciso ter cautela e medir as próximas ações: Fingerspitzengefühl, que quer dizer literalmente “sentir na ponta dos dedos”. A palavra é usada para descrever um quadro em que uma série de eventos individuais cria um novo e complexo cenário, que precisa ser analisado e respondido de maneira tátil. Depois das eleições do último domingo, o termo seria apropriado para descrever a situação política da Alemanha.
Para começar, o pleito “bagunçou” os partidos alemães de uma maneira que costurar a nova coalizão que comandará o país pelos próximos 4 anos está se mostrando difícil e complexo. Até então, a chanceler Angela Merkel e sua União (bloco composto pelos partidos de centro-direita CDU e CSU) contavam com o apoio do Partido Social Democrata (SPD), de centro-esquerda, na composição da “grande coalizão”. Agora, com o SPD relutante em uma nova aliança, a União articula a coalizão “Jamaica” — em referência às cores dos partidos: verde, amarelo e preto —, junto ao Partido Democrata Liberal (FDP) e ao Partido Verde (Grüne), dois tradicionais e antagônicos partidos devem ter uma rodada de negociação dura para chegar a um acordo. Mas o problema maior das eleições é o partido conservador de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que chega ao parlamento com 12,6% dos votos.
É a primeira vez que um partido populista de direita vai ao Bundestag, o parlamento alemão, desde o final da Segunda Guerra Mundial, o que simboliza um grande impacto na política do país. O AfD bateu o Grüne, o FDP e Partido de Esquerda (Linke), se tornando o terceiro maior partido da Alemanha. No estado da Saxônia, o AfD chegou a angariar 27% do total de votos — foi lá também onde o partido conseguiu vitórias em distritos. No total, o AfD se tornou o segundo partido mais votado no leste alemão, com 21,5% de todos os votos na região. Ao mesmo tempo, essa é uma região bastante cativa para o Linke, fundado em 2007 e que angaria os antigos representantes dos partidos de esquerda da República Democrática da Alemanha (DDR).
O Linke, que tem diversas facções, indo dos sociais democratas até os comunistas, perdeu 11% dos seus votos da eleição de 2013 para o AfD este ano. Mais de 1 milhão de eleitores migraram da União de Merkel para o AfD, bem como cerca de 1,47 milhão de não-votantes — uma estatística que ajuda a explicar um maior comparecimento às urnas, que subiu de 72,4% para 76,2%.
Para a antropóloga Emily Hruban, diretora de relações transatlânticas na fundação alemã Bertelsmann, instituição especializada em mudanças globais, a alta margem de votos que recebeu o AfD é inesperada e sinaliza uma insatisfação da população da região que corresponde à antiga Alemanha Oriental. “Isso mostra que essas pessoas não estão de acordo com os partidos do status quo. É um voto de protesto: mesmo quando migra do Linke para o AfD. São dois partidos com base em eleitores da classe trabalhadora”.
Segundo ela, há uma grande questão social e econômica também. A região leste da Alemanha é onde estão os estados mais pobres e com menor participação no PIB nacional, bem como onde as taxas de desemprego costumam ser mais altas do que nas antigas regiões do oeste. “Esta é uma região onde as pessoas costumam protestar contra os limites no acesso a trabalho e aposentadoria. Há um sentimento de que são considerados ‘cidadãos de segunda classe’ e isso impulsionou durante muitos anos os votos no Linke. Agora é uma queixa que levou eleitores para o AfD”, explica o cientista político Bruno Speck, professor da Universidade de São Paulo. Em 2009, o Linke teve 28,5% dos votos na parte leste da Alemanha, uma fatia que caiu para 17,3% este ano.
Questões políticas, questões futuras
A região da Saxônia, onde o AfD teve seu melhor desempenho, é onde fica a cidade de Dresden, que em 2014 viu surgir o Pegida, um movimento nacionalista que lutava “contra a islamização do ocidente”. Para Hruban, o que acontece com o AfD agora é uma continuidade do processo iniciado por esse tipo de grupo de direita há alguns anos. “Tradicionalmente, a região que mais recebe imigrantes é parte ocidental da Alemanha e a parte oriental tem um viés mais conservador”, diz.
“Objetivamente a parte leste recebeu e recebe pouquíssimos refugiados e imigrantes. A maioria deles é alocada na região sul, principalmente na Baviera. Ainda assim o AfD tem nesse ponto uma das suas principais pautas e é por esse argumento que ganha adeptos. Para o partido é interessante estimular essa agenda”, afirma o professor Speck.
O AfD tem outras bandeiras, mas a questão migratória está entre suas principais pautas. O partido é contra a chegada de imigrantes na Alemanha, preza pelo fechamento das fronteiras e diz ser a única força política que defende o povo alemão contra os interesses das elites financeiras globais e europeias.
Estas pautas, ressoam com mais força na classe trabalhadora. Nas eleições deste ano, os distritos onde a renda familiar era menor foram onde AfD e Linke desempenharam melhor. Entre a classe trabalhadora, o apoio aos principais partidos de centro, a União e o SDP despencou nos últimos 20 anos. Em 1998, o suporte ao SPD entre membros da classe trabalhadora era de 49%, na CDU de 29%. Agora chega a 25% e 23% respectivamente.
Mas sendo uma força política entre as mais votadas na Alemanha e com um forte viés anti-globalização e migração, até onde pode ir a influência do AfD? Os outros “partidões” iriam governar o país e jogar o AfD para o canto? Segundo o professor Speck, é muito provável que o AfD comece a cindir no decorrer dos próximos anos, um movimento que, inclusive, já está acontecendo. “Há no partido um grupo mais radical, que deve apelar para as polêmicas, e um grupo mais parlamentar, que deve tentar propostas. A própria saída da principal líder, Frauke Petry, que é menos radical, indica essa direção”, afirma.
O AfD deve continuar a entrar no parlamento nos próximos anos e deve migrar de uma única bandeira para uma pauta mais ampla, como aconteceu com o Grüne, que antes focava a questão ambiental e depois ampliou seu leque, conquistou espaço no Bundestag e se tornou um partido coligável.
Antes que isso aconteça, claro, é preciso lembrar que o AfD é parte de um tabu na Alemanha, um país profundamente marcado por ideias de direita. Para Hruber, embora o AfD seja um partido menor do ponto de vista do parlamento nacional, eles são mais fortes a nível estadual. “Eles conquistaram quase 40% dos votos em alguns distritos e podem tentar liderar coalizões nos parlamentos dos estados, onde podem pautar suas ideias mais radicais”, disse.
Se tudo caminhar como parece se desenrolar agora, com a coalizão “Jamaica” tomando forma, é possível que o SPD consiga se beneficiar da situação e se articular como a oposição de fato, ocupando o espaço do AfD. “Esta oportunidade dá aos sociais democratas a chance de alcançar suas bases e ganhar suporte”, diz a antropóloga. Os próximos passos e a tomada de decisões nunca precisaram tanto de Fingerspitzengefühl.