Nancy Pelosi, ex-presidente da Câmara dos Estados Unidos (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 13 de outubro de 2024 às 06h02.
Última atualização em 14 de outubro de 2024 às 14h57.
Nancy Pelosi é uma das mulheres mais poderosas da política americana. Ela foi presidente da Câmara dos EUA por oito anos e lidou de perto com quatro presidentes: George W. Bush, Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden.
Em seu novo livro "The Art of Power" (A arte do poder, ainda sem edição no Brasil), Pelosi conta os bastidores de alguns dos principais momentos da política dos EUA neste começo de século, como a oposição à Guerra ao Iraque, em 2003, a crise financeira de 2008, a aprovação um pacote para ampliar a cobertura de saúde, apelidado de "Obamacare", a partir de 2009, e a invasão do Congresso, em 2021, por apoiadores de Trump.
Pelosi diz no texto que não se trata de uma biografia completa, mas um relato detalhado de alguns momentos que marcaram sua trajetória. Filha de um ex-prefeito de Baltimore, ela foi eleita pela primeira vez como deputada federal em 1987, por um distrito de San Francisco, Califórnia, com a bandeira de ampliar a proteção às vítimas da Aids. Depois, disso, se reelegeu continuamente até hoje.
Em 2007, ela se tornou a primeira mulher a chefiar a Câmara, posição em que ficou até 2011, quando os democratas perderam o comando da Casa. Ela seguiu como líder do partido pelos anos seguintes e, em 2019, retomou o comando da Câmara, no qual ficaria até 2023, após nova derrota democrata.
Embora ela não seja mais a líder democrata na Câmara, Pelosi segue sendo uma das figuras mais influentes do partido, aos 84 anos de idade. Em julho deste ano, teve papel importante no processo de convencer o presidente Joe Biden a desistir da reeleição. Ela o fez de um modo sutil, mas incisivo. Quando Biden já havia dito que pretendia seguir na corrida, Pelosi deu entrevistas nas quais sugeriu a ele que pensasse melhor.
A democrata busca mostrar como a política americana ficou mais polarizada, e menos civilizada, nas útlimas duas décadas. Ela lembra que tinha relações cordiais com rivais republicanos, como o ex-senador John McCain, e que havia mais espaço para criar projetos de lei bipartidaários. Com o avanço de Trump, ela conta, isso foi ficando cada vez mais difícil e houve uma escalada na violência política, que culminou com a invasão ao Congresso, em 6 de janeiro de 2021.
Logo no começo do livro, Pelosi conta em detalhes o dia em que seu marido, Paul Pelosi, foi atacado na casa deles em San Francisco, em outubro de 2022. Paul dormia quando teve a casa invadida por um homem, que procurava por Nancy e o atacou com um martelo. Ela não estava em casa. O autor do ataque havia publicado várias mensagens contra as vacinas da Covid e a favor da invasão do Congresso em 2021. Paul sobreviveu após ser golpeado na cabeça, mas teve sequelas.
Pelosi aponta que notou uma mudança de tom na política já em 2009, no começo do governo Obama. Enquanto era debatido o Obamacare, ativistas contrários fizeram protestos agressivos, como o de tentar cuspir em parlamentares democratas que defendiam a medida, algo que ela não havia presenciado antes.
O livro faz um relato amplo de como foi o esforço político para avançar com o projeto, mesmo com forte oposição republicana, da igreja (havia o medo de que mais recursos para a saúde poderiam fazer o governo custear abortos) e, segundo Pelosi, da falta de habilidade e interesse do próprio governo Obama em negociar de forma mais firme com o Congresso.
Neste trecho, Pelosi conta como fez para convencer aliados do próprio partido e da oposição a votarem como ela queria, e detalha métodos curiosos de atuação, como a de usar a comida a seu favor: ela pode mandar trazer sorvetes para tentar amaciar alguém que esteja resistente, ou adiar refeições para tentar acelerar decisões.
Uma parte marcante do livro é o relato da invasão do Congresso a partir de seu ponto de vista. Pelosi estava em seu escritório quando seu marido, Paul, viu a multidão se aproximando. Ela foi levada para um local seguro e, de lá, tentou convencer Trump a pedir que os invasores parassem. Foram horas de caos, até que os ativistas foram retirados pela polícia, que demorou a receber reforços.
Pelosi decidiu retomar a sessão de certificação do resultado da eleição horas depois da invasão. Ao voltar ao Congresso, ela encontrou seus funcionários traumatizados. Eles ficaram escondidos em uma sala enquanto a invasão acontecia. Também viu seu escritório destruído, mas disse que as cédulas de votação, que seriam certificadas, estavam intactas.
"Os invasores pensavam que, se pudessem destruir os votos do Colégio Eleitoral, encerrariam o processo de certificação. Trump não sabia o suficiente sobre o governo: os delegados assinam ao todo seis cédulas. Apenas um conjunto delas vai para o Capitólio. Os outros cinco vão para vários outros locais, como o Arquivo Nacional", escreve Pelosi.
Após o 6 de janeiro, a democrata defendeu o impeachment de Trump, mesmo ele tendo só mais duas semanas no cargo. O presidente foi condenado pela Câmara, mas absolvido no Senado, onde havia maioria republicana. A democrata reclama que os líderes do partido rival se abstiveram de punir Trump, mesmo tendo vivido ao lado dela os momentos de tensão durante a invasão do Congresso.
Como poderia se esperar de uma autobiografia, Pelosi dá pouco espaço para os erros que cometeu e busca se colocar como uma pessoa eficiente e imparável. "Eu conquistei quase todas as batalhas legislativas que comecei. E aquelas que não venci, classifico apenas como "não conquistadas ainda", diz