Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Bolívia, Luis Arce (Ricardo Stuckert/PR/Divulgação)
Agência de notícias
Publicado em 6 de julho de 2024 às 09h18.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajará, na próxima semana, à Bolívia para uma missão política delicada: tentar unir dois dos principais líderes da esquerda do país, o ex-presidente Evo Morales e o atual mandatário, Luis Arce, atualmente em campos adversários. Após uma
tentativa de golpe militar fracassada, o Palácio do Planalto e líderes progressistas da América Latina intensificaram o contato para evitar a organização de nova quartelada no país andino. Além disso, esses mesmos líderes tentam unir esforços para barrar a ascensão de forças ligadas à extrema direita.
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No caso da Bolívia, a divisão interna é vista com preocupação, já que poderia trazer instabilidade à região. Hoje, as relações entre os países da América do Sul são mais complicadas do que em outros mandatos de Lula. O cenário ficou mais evidente com a possibilidade de esvaziamento da reunião de líderes do Mercosul, no Paraguai, na segunda-feira.
O presidente da Argentina e aliado de Jair Bolsonaro, Javier Milei, já disse que não irá ao encontro. O momento mais importante do evento, segundo interlocutores da área diplomática, será a conclusão da adesão da Bolívia ao bloco.
Na terça-feira, Lula estará em Santa Cruz de la Sierra, em visita de Estado à Bolívia. Segundo interlocutores do governo brasileiro, lideranças de outros países pediram ao presidente que ajude a pacificar a relação entre Morales e Arce, ambos do Movimento ao Socialismo (MAS).
No último domingo, Morales acusou Arce de ter mentido ao dizer que fora vítima de um fracassado golpe na semana anterior. Em poucas horas, os articuladores do movimento golpista, liderados pelo comandante destituído do Exército, general Juan José Zúñiga, foram presos.
Apesar de o objetivo da missão diplomática ser reconhecido por integrantes do governo brasileiro, existe a preocupação de que essa iniciativa seja interpretada como uma interferência em assuntos internos da Bolívia. Não há, oficialmente, uma reunião agendada entre Lula e Morales. Os dois são amigos de longa data, e a expectativa é de que esse encontro realmente aconteça.
A Bolívia passa por uma situação econômica difícil. Na visita de Lula, também serão discutidos acordos nas áreas de gás natural, energia, infraestrutura, saúde e o combate ao tráfico de pessoas. Isso, além do anúncio de uma ponte ligando os dois países, poderia dar novo ânimo a Arce, segundo interlocutores do governo.
Um tema que preocupa o governo boliviano é o esgotamento do gás natural. Cerca de 86% do gás importado pelo Brasil vem da Bolívia, e o governo Lula já estuda alternativas para diversificar as fontes, como a reserva de Vaca Muerta, na Argentina.
Em Santa Cruz, Arce e Lula participarão, ainda, de um encontro empresarial. O presidente da Bolívia esteve quatro vezes no Brasil em 2023. O país tem a fronteira mais extensa com o território brasileiro — mais de 3,4 mil quilômetros.
No Brasil, há cerca de 300 mil bolivianos, a maioria em São Paulo. Na Bolívia, há algo em torno de 60 mil brasileiros. O último passo que faltava para a entrada da Bolívia no Mercosul foi dado pelo Senado boliviano na quarta-feira. Agora, o país, até então associado, e não membro pleno, terá quatro anos para se adequar às normas do Mercosul.
Além do argentino Milei, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, também não irá à reunião do Paraguai. Os venezuelanos estão suspensos do bloco desde 2016, mas terão chances de retornar se as eleições no país, marcadas para o próximo dia 28, forem transparentes, justas, livres e aceitas por todos.
Milei enviará a chanceler Diana Mondino ao Paraguai. Além dos presidentes de Brasil, Uruguai e Paraguai, estarão presentes os líderes de Bolívia, Equador, Chile e Peru.
A retomada da liderança do Brasil na América Latina, hoje vista como uma tarefa mais árdua do que nos mandatos anteriores de Lula, é um desafio. Professora de Relações Internacionais na UFRJ e do programa de pós-graduação em Ciência Política da UniRio, Maria Villarreal avalia que os cenários e as perspectivas para a integração “mudaram”.
— Há diferenças de perspectivas e métodos no novo governo em relação a outros mandatos do Lula, mas é evidente que a recuperação e o reforço da ação conjunta com a América Latina são um dos objetivos e que a América do Sul ainda é prioridade — diz ela.
O analista político Guillermo Holzmann, acadêmico da Universidade Valparaíso do Chile, avalia que a atual Presidência de Lula não tem a mesma relevância, projeção e profundidade estratégica que nos períodos anteriores.
— Há um vácuo de liderança na região.
Diretora-executiva da ONG Latinobarômetro, com sede no Chile, Marta Lagos demonstra preocupação com as eleições na Venezuela e ceticismo em relação à força do Brasil nessa questão, acusando Maduro de ser “um ditador por completo”.
— O Brasil está mal, não atinge o objetivo de ajudar a Venezuela a caminhar em direção à democracia. Da forma como as coisas estão, o melhor seria suspender o que chamam de eleições e tentar fazê-lo bem num momento diferente — diz Lagos .