O detetive Kevin Hyland participa de uma entrevista coletiva em Londres: faltam detalhes para completar a história e persistem perguntas sobre o caso (AFP)
Da Redação
Publicado em 22 de novembro de 2013 às 13h56.
Londres - As três mulheres mantidas reféns durante 30 anos em Londres foram espancadas e sofreram lavagem cerebral, declarou a polícia britânica nesta sexta-feira, com o país em plena reflexão sobre o novo rosto da escravidão.
O comandante da polícia Steve Rodhouse disse que estavam tentando determinar exatamente quais algemas invisíveis mantiveram as mulheres controladas durante três décadas.
"O que descobrimos até agora é uma situação complicada e perturbadora de controle emocional durante muitos anos", explicou à imprensa.
"'Lavagem cerebral' seria uma palavra fácil, mas acredito que minimiza os anos de abusos emocionais que as vítimas sofreram".
Além disso, revelou que os dois suspeitos, um homem e uma mulher estrangeiros, ambos de 67 anos, detidos na quinta-feira em sua casa de Londres, já haviam sido detidos antes, nos anos 1970, embora não tenha fornecido mais detalhes.
Os dois foram colocados em liberdade condicional nesta sexta-feira "até uma data em janeiro, enquanto são realizadas novas investigações", e seus passaportes foram confiscados.
O nome dos dois não foi revelado, assim como o de suas três supostas vítimas, uma malaia de 69 anos, uma irlandesa de 57 e uma britânica de 30.
A polícia não informou como elas ficaram presas em três décadas de servidão, mas apenas como deram um basta à situação: telefonando para a organização não governamental Freedom Charity, que combate a escravidão e os casamentos forçados, depois de assistirem a um documentário sobre suas atividades.
As mulheres foram resgatadas no dia 25 de outubro e as detenções dos captores não ocorreram até quase um mês depois, na quinta-feira, 21 de novembro, quando a polícia verificou sua versão.
A polícia afirma que as mulheres tinham algum tipo de liberdade limitada, o que permite pensar que saíam de vez em quando às ruas, embora as tenha descrito como "isoladas do mundo exterior"; não acredita que tenham sido submetidas a abusos sexuais, mas possivelmente físicos. Sua situação as traumatizou.
Faltam detalhes para completar a história e persistem perguntas, mas o detetive Kevin Hyland, a cargo do caso, declarou na quinta-feira nunca ter visto algo desta magnitude.
"Embora não acreditemos que tenham sido submetidas a abusos sexuais, sabemos que ocorreram (abusos) físicos, descritos como surras", explicou Hyland.
Tudo transcorreu no bairro de Lambeth, no sul de Londres, em "uma casa normal, de uma rua normal, que não despertaria suspeitas nem entre os vizinhos, nem entre ninguém", narrou Aneeta Prem, fundadora da Freedom Charity.
"Uma família normal para o mundo exterior", resumiu Hyland.
A polícia inspecionou a casa por 12 horas e levou 2.500 elementos de prova.
O fato de alguns detalhes servirem como atenuantes, como poderem sair de casa, se deve à incapacidade de aceitar que a escravidão segue existindo, embora seu rosto seja diferente, alertavam nesta sexta-feira várias vozes.
"Um escravo é um escravo, alguém que teve seus direitos privados, alguém coagido, submetido à violência mitigada. Há 200 anos tínhamos grilhões de ferro, agora temos grilhões psicológicos", considerou Andrew Wallis, diretor da organização de caridade britânica Unseen (invisíveis), que luta contra o tráfico de pessoas.
James Brokenshire, adjunto à ministra do Interior, afirmou, também na BBC, que a "escravidão é uma dessas coisas que a gente pensa que pertence aos livros de história".
"A triste realidade é que segue presente. A cada ano vemos um aumento no número de casos denunciados e acredito que seguirão aumentando", afirmou.
A Grã-Bretanha enfrenta uma divulgação constante destes casos. No mês passado, Ilyas Ashar, de 84 anos, foi condenado por estuprar repetidamente uma menina surda-muda paquistanesa introduzida clandestinamente no país.
A menina também era espancada e obrigada a fazer os trabalhos domésticos por Ashar e sua família. Além disso, foi utilizada para receber subsídios do governo.
Em maio, um homem e seu filho foram condenados a 8 e 5 anos de prisão por obrigar indigentes a trabalhar para eles, e em dezembro cinco membros de uma família foram condenados de 2 a 6 anos por usar como escravos mendigos ou viciados em drogas, que também eram espancados e humilhados em troca de algumas poucas libras por dia.
Mas o primeiro caso de escravidão moderna julgado pelos tribunais britânicos ocorreu em 2009, o de uma mulher da Tanzânia levada clandestinamente à Grã-Bretanha que trabalhava 18 horas por dia e que passava seus momentos livres em condições miseráveis na casa de uma viúva do noroeste de Londres, que, se antes concedia a ela 10 libras por mês, depois passou a não pagar mais nada.