Manifestante em frente a policiais na Turquia: nos recentes protestos na praça Taksim e no parque Gezi, as mulheres levaram suas reivindicações (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 9 de agosto de 2013 às 12h43.
Istambul - Desde o início dos protestos contra o governo da Turquia, em maio, as mulheres estiveram na primeira fila do movimento social que exige um país mais democrático, mais laico e, sobretudo, menos machista.
"O Estado é um homem", disse Ilknur, uma jovem mãe, resumindo a percepção de muitas mulheres que se veem relegadas à função de máquinas de parir filhos nos desenhos políticos do governo, nas mãos do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), de orientação islâmica.
O desconforto era evidente também durante os recentes protestos na praça Taksim e no parque Gezi, onde as mulheres levaram as reivindicações feministas ao primeiro plano dos debates.
"Querem intervir em nossos corpos", assegurou Ilknur, enquanto marchava em uma manifestação de centenas de homens e mulheres, muitas delas se fingindo de grávidas, com uma bola ou uma almofada sob a blusa.
"Desejam proibir o aborto, decidir quantos filhos devemos ter, como devemos vestir, que namorados ter... querem ter controle sobre nossa vida", disse.
Esta manifestação é um grito de rejeição contra o mais recente desaforo: há alguns dias, um conhecido advogado e autor de livros religiosos, Ömer Tugrul Inançer, declarou em horário nobre na televisão pública "TRT" que as mulheres visivelmente grávidas não deveriam aparecer em público.
Inançer definiu como "imoral" e "contrário ao bom gosto" que uma mulher saísse à rua mostrando uma gravidez de sete ou oito meses e sugeriu que, se precisasse de ar puro, fosse levada de carro pelo marido.
A reação imediata foi um "trending topic" no Twitter, em que as mais diferentes mulheres turcas enviaram fotos exibindo orgulhosas a gravidez, muitas vezes com a barriga de fora ou em lugares públicos. E até homens aderiram ao protesto virtual, usando almofadas para simular uma barriga de grávida.
Horas mais tarde, vários protestos aconteceram em Ancara e Istambul, com palavras de ordem irreverentes: "Prostitutas ou grávidas, as ruas são nossas", ou "Ai ai, aperta, aperta, o que me cansa é você, Tayyip", em referência ao primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan.
Embora Inançer não tenha um cargo oficial, ele reflete os esquemas mentais do governo, acredita Ilgin, uma jovem socióloga que caminhava na manifestação disfarçada de grávida. E "Erdogan insiste que todas as mulheres devem ter três filhos pelo menos, mas não quer que nos vejam grávidas.
Conclusão: para o AKP, o melhor lugar para as mulheres ficarem é fechadas em casa", criticou. "Mas quanto menos mulheres na rua, mais agressões haverá contra as que saem, maior será a violência machista na sociedade".
A violência machista tira a vida de cerca de 150 mulheres ao ano na Turquia, sem que o governo dê muita atenção. E mesmo assim, Erdogan segue com a promessa de lutar pela proibição do aborto, um plano que precisou adiar ano passado após maciços protestos das mulheres.
"Os tribunais deixam em liberdade homens acusados de estupros coletivos, e depois na televisão demonstram preocupação que vejam nossa barriga", denunciou a mulher.
Não ajudou um comunicado do Ministério de Religião para desmentir que o islã mande isolar as grávidas, e acrescentar que deveriam ter "mais cuidado com suas roupas" e que nenhuma mulher deveria mostrar a barriga nem as costas.
Também não tranquiliza que o atual governo tenha uma só ministra, ainda mais em um país que já em 1993 tinha uma mulher no cargo de primeira-ministra, e onde algumas das maiores empresas e organizações empresariais estão em mãos femininas.
"O AKP tem uma política inimiga das mulheres" assegurou também Basak Biner, integrante do Coletivo Feminista Socialista. "Um Estado masculino quer controlar o corpo da mulher - quiseram proibir tanto o aborto como as cesáreas - e querem transformar todas em mão-de-obra barata, dedicadas à família e ao marido e fáceis de explorar", denunciou.
Na Turquia, o corpo feminino é considerado tradicionalmente algo que deve se manter na esfera privada. "Muitos homens das gerações mais antigas não falarão de nada que tenha a ver com uma vagina", explicou a ativista Merve Alici.
E a gravidez faz parte deste tabu, "embora pareça ser só na mente do governo e de seus simpatizantes", disse Ilknur. Quando ela estava grávida de sua filha, não deixava de ir à rua e jamais viveu alguma situação adversa, garantiu.