Iraque: a "mãe dos iraquianos" não hesita em descrever o sectarismo como "um câncer que chegou ao Iraque de fora" (Spencer Platt / Getty Images)
Da Redação
Publicado em 8 de janeiro de 2016 às 08h11.
Bagdá - Enquanto a tensão entre muçulmanos xiitas e sunitas alcança novos patamares no Oriente Médio, Tawaa al Jabouri, uma sunita de 60 anos, se transformou em um ícone no Iraque, um país de maioria xiita, após salvar a vida de 25 soldados dessa crença.
A "mãe dos iraquianos", como foi batizada pelos meios de comunicação nacionais, cujo verdadeiro nome é Um Qusai, escondeu em sua casa em junho de 2014 uniformizados iraquianos que fugiam da base militar de Spiker, onde os jihadistas do grupo Estado Islâmico (EI) realizaram um massacre após tomá-la através da força.
"Eu acredito no Iraque e não aceito injustiça", disse Tawaa, que depois da invasão dos jihadistas na base de Spiker, situada na província de Saladino, acolheu vários grupos de soldados, que ela alimentou e ajudou a fugir, segundo relatou em entrevista à Agência Efe.
Em dita base, o grupo terrorista executou em 12 de junho de 2014, um dia após ocupar Tikrit, capital de Saladino, 1,7 mil "membros xiitas do exército", e publicou vídeos de centenas de homens capturados que, segundo sustentou então, tinham se rendido na base militar de Spiker.
Tawaa, que vive na cidade de Alalam, ao nordeste de Tikrit, afirmou à Agência Efe que o EI matou dois de seus filhos e ressaltou: "Não vamos nos reconciliar com qualquer pessoa que tenha as mãos manchadas de sangue iraquiano".
Para lutar contra o EI, Tawaa pediu união aos iraquianos e que estes cooperem contra os terroristas e apoiem tanto as forças de segurança, como as milícias Multidão Popular, leais ao governo e formada majoritariamente por voluntários de credo xiita.
Os iraquianos xiitas do sul do Iraque foram os que decidiram chamar Um Qusai de Tawaa, uma mulher sunita que, segundo a tradição islâmica, acolheu durante o século VII em Kufa, 170 quilômetros ao sul de Bagdá, um enviado do imame Hussein Ibn Ali (neto do profeta Maomé e morto no ano 680 d. C.).
Tawaa pronuncia com orgulho seu novo nome, assim como o apelativo de Um al Iraquiyin (a mãe dos iraquianos), como é conhecida nos meios de comunicação.
Este último nome, segundo disse, é também usado pela maioria das pessoas que de distintas províncias do Iraque se aproximam de sua casa para pedir ajuda para resolver seus problemas.
A "mãe dos iraquianos" não hesita em descrever o sectarismo como "um câncer que chegou ao Iraque de fora" e insiste que sua solidariedade com os soldados xiitas representa, precisamente, "uma rejeição ao sectarismo".
Tawaa considerou que na guerra contra o terrorismo as mulheres desempenham um papel muito importante. "Algumas mulheres apoiam seus maridos, filhos e irmãos na luta contra o terrorismo e outras morreram lutando contra os jihadistas".
Para ela, o papel da mulher iraquiana é "heroico e honorável".
A idosa contou também como em uma ocasião, na qual seis soldados chegaram a sua casa buscando refúgio, ela substituiu as fotos de seus verdadeiros filhos pelas dos soldados por prevenção, caso os jihadistas invadissem sua casa.
Depois, fez com que suas filhas viajassem com eles até Kirkuk, para que nos possíveis controles dos jihadistas estes pensassem que eram parte da família.
Finalmente, este grupo de soldados, como outros 20 militares que Tawaa acolheu, conseguiram chegar à cidade e, posteriormente, retornar a seus lares, no sul do país, de maioria xiita.
"Esta atuação é um exemplo da boa mãe iraquiana e fruto da moral, da humanidade e do orgulho de seu país", disse o primeiro-ministro iraquiano, Haidar al Abadi, em julho durante uma cerimônia na qual a idosa mãe dos iraquianos foi condecorada por seu trabalho.
Além da condecoração, Al Abadi a presenteou com uma viagem para que possa realizar a peregrinação a Meca, um dos pilares do islã, que todo muçulmano deve cumprir, seja qual for o ramo que professe.