Itália: motorista ateia fogo em ônibus com 51 crianças; todas foram salvas (Reuters TV/Reuters)
AFP
Publicado em 21 de março de 2019 às 10h51.
Última atualização em 21 de março de 2019 às 14h51.
A Itália se encontra em choque após o dramático resgate de 51 crianças feitas reféns por seu motorista de ônibus escolar que incendiou o veículo em protesto contra as mortes de migrantes no Mediterrâneo.
A polícia italiana salvou na quarta-feira, 20, os estudantes que foram feitos reféns e ameaçados em um ônibus perto de Milão por seu motorista, um italiano de origem senegalesa, que protestou contra o destino dos migrantes africanos mortos no Mar Mediterrâneo antes de atear fogo ao veículo escolar. A situação toda durou quase uma hora, para desespero das crianças.
"É uma loucura, um absurdo, é inaceitável. Alguém tem que pagar, e caro", declarou Filippo Razzini, pai de um aluno da escola da pequena cidade de Crema, que, por sorte, não se encontrava no ônibus de excursão.
"É um milagre, mas poderia ter sido um massacre. Os carabineiros agiram de forma excepcional. Bloquearam o ônibus e salvaram todas as crianças", informou Francesco Greco, promotor de Milão, norte da Itália.
O motorista foi preso sob a acusação de "tomada de reféns, massacre e incêndio criminoso", com o agravante de "terrorismo".
De acordo com seu advogado, o homem explicou durante o interrogatório que queria "chamar a atenção para as consequências das políticas de migração".
"Eu perdi três filhos no mar", afirmou o motorista durante a tomada de reféns, de acordo com o testemunho de um adolescente, postado nas redes sociais.
Ousseynou Sy, 47 anos e de nacionalidade italiana desde 2004, "agiu como um lobo solitário", sem ligações com o islamismo radical, disse o chefe da célula antiterrorista de Milão, Alberto Nobili, em entrevista coletiva.
"Suas ações foram premeditadas, e ele queria que o mundo inteiro falasse sobre sua história", explicou Nobili.
O homem postou um vídeo no YouTube explicando sua ação.
Sy obteve sua nacionalidade italiana e foi empregado em 2004, conseguindo manter as condenações por dirigir embriagado e abuso sexual de um menor em segredo de seu empregador, informou o jornal "Corriere della Sera".
Uma vizinha disse ao jornal La Stampa que ele era conhecido como "Paolo".
"É assim que nós o chamamos, porque o nome dele era muito complicado. Eu o via sair todas as manhãs. Era homem calmo, mas solitário", contou a moradora.
Os 51 estudantes, todos no Ensino Médio, estavam retornando de uma excursão junto com três acompanhantes adultos quando o motorista de repente mudou de direção na região de San Donato Milanese e levou os passageiros como reféns.
"Ninguém vai sair vivo daqui", afirmou o motorista, segundo vários alunos.
Armado com dois latões de gasolina e um isqueiro, ele ameaçou as crianças, arrancou delas seus celulares e as amarrou com fios elétricos nos assentos.
"Ele nos ameaçou. Disse que se nós nos mexêssemos, jogaria a gasolina em nós e tacaria fogo. Ele continuou dizendo que há muitas pessoas na África que ainda estão morrendo e que isso é culpa de [Luigi] Di Maio e [Matteo] Salvini", contou uma menina, referindo-se aos dois vice-primeiro-ministros da Itália.
Um dos meninos conseguiu ligar para os pais, que informou a polícia.
O motorista forçou um primeiro cordão de isolamento policial antes de ser bloqueado por três veículos da polícia.
Quando se viu cercado, ateou fogo ao ônibus, enquanto os policiais quebraram as janelas para tirar às pressas as crianças, que gritavam e choravam. O ônibus ficou totalmente carbonizado.
Mais de dez crianças e dois adultos foram levados para o hospital levemente intoxicados pela fumaça.
O incidente abalou a comunidade de Crema.
"Minha filha estava em choque ontem. Ela disse: 'mamãe, eu podia estar lá também'", contou Luisa Ginelli à AFP nesta quinta-feira.
"O Ministério do Interior está trabalhando para ver se pode retirar a cidadania italiana do motorista", informaram fontes da pasta, referindo-se à implementação de uma medida controversa aprovada no ano passado por Matteo Salvini para garantir a segurança e reduzir a migração.
A Itália passou a reprimir a imigração sob ordens do também ministro de Interior de extrema direita, Matteo Salvini, que exigiu o fechamento de portos a navios de caridade que resgatam migrantes que estão tentando atravessar o Mediterrâneo.
"Esse vilão tem que pagar por tudo", disse Salvini, cujo partido A Liga está em alta nas pesquisas em parte por causa de sua dura postura anti-imigratória.