A marcha foi realizada em apoio aos protestos organizados às quartas-feiras pelos aposentados, o setor mais afetado pelos ajustes (TOMAS CUESTA / AFP)
Agência de notícias
Publicado em 9 de abril de 2025 às 19h03.
Milhares de argentinos protestaram, nesta quarta-feira (9), na véspera de uma greve geral contra o ajuste fiscal do presidente Javier Milei, enquanto seu governo aguarda um crédito do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 20 bilhões de dólares (R$ 121 bilhões) para sustentar seu plano econômico.
As três principais centrais sindicais argentinas se mobilizaram a partir do meio-dia desta quarta-feira em frente ao Congresso, juntamente com organizações sociais e aposentados. À meia-noite vão paralisar as atividades por 24 horas, reivindicando uma guinada política.
"Vim para defender os direitos dos aposentados e porque estou farto deste governo", disse Carlos Salas, um funcionário público de 63 anos, presente no protesto realizado ao som de trompetes, tambores e algumas bombas de efeito moral.
O protesto coincidiu com uma viagem surpresa de Milei a Assunção, no Paraguai, onde se reuniu com o presidente Santiago Peña, após a qual o chefe de Estado argentino defendeu a "liberdade econômica" impulsionada nos dois países.
A greve encontrará um governo na expectativa, depois que o FMI anunciou, na véspera, que o acordo técnico com a Argentina de 20 bilhões de dólares está pronto para ser examinado pela diretoria da instituição "nos próximos dias".
A Argentina anseia por uma antecipação de pelo menos 40% do empréstimo para acalmar a forte tensão cambiária devido à qual o Banco Central vendeu mais de 1,8 bilhão de dólares (cerca de R$ 11 bilhões) de suas reservas nas últimas semanas.
O novo empréstimo é visto com desconfiança por parte da população. "Já vivemos isto. [A grana do FMI] é para que a roubem toda", disse Salas, em alusão à dura crise econômica e social que o país atravessou em 2021.
A marcha foi realizada em apoio aos protestos organizados às quartas-feiras pelos aposentados, o setor mais afetado pelos ajustes, em frente ao Congresso pelo aumento de seus benefícios.
A greve geral é a terceira contra o governo de Milei e marca a deterioração do clima social após dezenas de milhares de demissões e 15 meses consecutivos de queda do consumo.
"Não há precedentes de um governo que arruinou em tão pouco tempo a situação social tão profundamente", disse à AFP o analista político Artemio López, diretor da consultoria Equis.
López destacou uma deterioração na imagem presidencial, "produto de eventos desafortunados e do rigor do ajuste", que se traduz "na pior distribuição de renda dos últimos 20 anos".
Ainda assim, a seis meses das eleições legislativas de outubro, Milei mantém um apoio de 40%-45% graças à redução da inflação, de 211% em 2023 para 118% no ano passado.
Isto contribuiu para fazer a pobreza recuar aos níveis de 2023 (38%), depois de ter chegado a 52,9% no primeiro semestre de seu governo.
Milei tem acumulado "erros não forçados que impactaram de forma clara sua iniciativa e capacidade de estabelecer uma agenda e sobretudo na opinião pública", disse à AFP Sergio Berensztein, doutor em Ciência Política pela University of North Carolina, Chapel Hill.
Seu principal "tropeço" foi o escândalo do "criptogate", quando Milei promoveu em sua conta na rede X uma criptomoeda cuja cotação despencou logo depois. O caso será investigado no Congresso, que interrogará membros de seu gabinete. O caso também é investigado pela justiça na Argentina e nos Estados Unidos.
Neste contexto, "o acordo com o Fundo chega em um momento crítico", segundo Berensztein, porque é "um elemento a favor do processo de estabilização econômica que segue sendo o principal atributo que o governo tem".
Não estão claros os detalhes do acordo com o FMI, a quantia dos pagamentos e as exigências ao governo.
Alinhado com o que o FMI prega, Milei prometeu eliminar o controle cambiário que vigora desde 2019, mas até agora o usou como âncora da inflação.
A política cambiária "tem sido o principal problema para desbloquear o acordo", explicou à AFP Claudio Loser, ex-diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental.
O Fundo certamente "não quer que sejam gastas as reservas para manter a taxa de câmbio achatada", disse.