Síria: em geral, as famílias de refugiados vivem em locais onde há outros refugiados e em comunidades que são mais abertas (SANA/Handout)
Agência Brasil
Publicado em 17 de fevereiro de 2017 às 13h23.
Última atualização em 17 de fevereiro de 2017 às 13h23.
"Mesmo que eu voltasse hoje, eu não teria mais o meu país porque a Síria acabou. Meus amigos e familiares morreram ou, com sorte, estão espalhados pelo mundo".
Com essa frase, Samir Al Jahmani, 46 anos, refugiado sírio nos Estados Unidos, resume o que sente sobre o seu país de origem, de onde saiu há 5 anos fugindo da guerra.
Ele recebeu a Agência Brasil no apartamento onde vive em Atlanta, desde agosto do ano passado, com quatro dos cinco filhos e a esposa Monawer Al Jahmani, 42 anos.
O choro vem fácil quando ele se lembra da terra natal e da guerra que o país atravessa. Em 2011, Al Jahmani deixou Daraã - cidade no sul do país onde se iniciou o levante dos rebeldes no pré-guerra e quando começaram os protestos e a repressão.
"Todas as noites, quando eu coloco a minha cabeça no travesseiro para dormir, eu choro. Eu sinto falta de tudo na Síria, mas eu choro também porque minha Síria foi destruída", conta.
Na casa da família Al Jahmani, tradições são mantidas. Ninguém usa sapatos dentro de casa e eles professam o islamismo como religião. Samir prepara um café sírio.
"Este café vem direto da Síria, é o nosso arabic", conta. E diz que se um visitante recusa um café na Síria comete uma indelicadeza imperdoável. "É uma grande falta de educação."
A reportagem da Agência Brasil foi ao apartamento da família acompanhada de uma assistente da Lutheran Service, uma das entidades credenciadas pelo governo federal na Georgia para acompanhar os refugiados, e uma tradutora.
A esposa de Samir estava trabalhando, mas os filhos Mayas, 14 anos, e o caçula, Aws, 5 anos, estavam em casa.
Os Al Jahmani deixaram Daraã no Sul da Síria em 2011. No mesmo ano começaram os confrontos entre os rebeldes e o regime de Bashar Al Assad. A cidade fica bem próxima à fronteira da Jordânia.
Por isso, a família decidiu atravessá-la. "Pensamos que ia ser apenas por alguns meses", diz o patriarca.
A família foi uma das primeiras a se deslocar para a Jordânia. A fronteira fica a menos de 12 quilômetros de Daraã.
"Eu e minha esposa decidimos ir porque nossa casa era no terceiro andar e ficávamos muito vulneráveis ao fogo cruzado. À noite, havia muitos ataques e bombas atingindo a redondeza. Pensamos nos nossos filhos, o mais novo, recém-nascido e deixamos nossa casa."
Mas o plano de passar uns meses foi se estendendo assim como o conflito no país de origem. Da Jordânia, eles viam o caos no território sírio e a quantidade de pessoas que tentavam deixar o país.
Depois de dois anos em território jordaniano, o casal decidiu tentar a vida nos Estados Unidos na condição de refugiados e se inscreveu no serviço de imigração. No ano passado, receberam autorização para se mudar com quatro dos cinco filhos.
O filho mais velho Maysann, 22 anos, ainda está na Jordânia e não recebeu autorização, embora o processo de tramitação do visto já tenha sido iniciado.
Na Síria, Al Jahmani tinha uma loja de conserto de bicicletas e motos. Nos Estados Unidos, tem autorização de trabalho, assim como os demais integrantes da família. Os filhos mais novos, de 14 e 5 anos, apenas estudam.
Al Jahmani conta que não encontra dificuldades para conviver com os norte-americanos. "Pelo menos aqui, onde vivemos, todos são muito acolhedores e nos tratam bem", diz.
Em geral, as famílias de refugiados vivem em locais onde há outros refugiados e em comunidades que são mais abertas. Al Jahmani mora em um conjunto de apartamentos em que também estão outros refugiados e vários estrangeiros.
O filho Maysan conta que foi bem recebido na escola. Já está aprendendo inglês e tem amigos da África, latinos e norte-americanos.
Al Jahmani disse estar um pouco preocupado com os rumores de que o presidente Donald Trump possa mudar as regras para refugiados que já vivem nos Estados Unidos.
"Eu entendo que ele está fazendo isso para proteger o país da maneira que acredita, mas tenho medo que isso possa nos afetar aqui dentro."
Neste momento, a assistente da missão luterana que nos acompanha, Megan Keaveney, intervém e diz que, ainda que o governo tivesse a intenção de mudar regras para quem já vive nos Estados Unidos, isso seria inconstitucional e facilmente derrubado judicialmente.
"Trata-se de um direito já adquirido, de uma decisão legal tomada anteriormente baseada na lei", destaca.
Os Estados Unidos têm uma cota anual para a entrada de refugiados, definida pela Casa Branca. Para 2017, Barack Obama autorizou a entrada de 110 mil refugiados para o período orçamentário que termina em setembro.
A estimativa é que, com Donald Trump, este número caia para mais da metade, algo em torno de 50 mil refugiados.
Megan acredita que, embora o programa esteja sendo revisto e Trump tenha suspendido a entrada de viajantes de países muçulmanos temporariamente, a presidência deve manter o programa, ainda que na cota inferior.
Cerca de 3 milhões de refugiados foram recebidos pelos Estados Unidos desde que o Congresso aprovou a Lei dos Refugiados, de 1980. A lei forneceu as diretrizes para o programa federal de refugiados e o padrão para seleção e admissão.
Em 2001 após os ataques terroristas do 11 de Setembro, o governo suspendeu a entrada de refugiados durante três meses, do mesmo modo que Donald Trump propôs no veto extremo - decisão suspensa judicialmente.
O processo de admissão leva de 18 a 24 meses. A maioria dos refugiados que chegou em 2016 era do Congo, da Síria, do Iraque e da Somália. Nem sempre a quantidade autorizada pelo governo federal é a quantidade recebida. No ano fiscal de 2016, foram 39 mil refugiados, 46% deles muçulmanos.