Incêndios: Austrália vive uma seca intensa há três anos (Tracey Nearmy/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 7 de janeiro de 2020 às 11h53.
Última atualização em 7 de janeiro de 2020 às 11h54.
Melbourne e Sydney — O governo conservador da Austrália se mantém firme na defesa de que não há ligação entre as mudanças climáticas e os incêndios florestais que devastam o país, a despeito de críticas da população, da angústia de vítimas e alertas de cientistas.
O primeiro-ministro, Scott Morrison, e seu ministro de Redução de Emissões, Angus Taylor, afirmam que o país não precisa cortar emissões de carbono de maneira mais agressiva para frear o aquecimento global.
Além da tragédia sem precedentes, a Austrália vive uma seca intensa há três anos. Morrison e Taylor, por outro lado, afirmam que o país — que emite 1,3% das emissões de carbono do mundo e é o segundo maior emissor per capita, atrás apenas dos Estados Unidos — deveria ser "premiado" por atingir as metas previstas para 2020.
"Quando se trata de reduzir as emissões globais, a Austrália deve cumprir e está seguindo suas metas. Incêndios florestais devem ser uma ocasião em que as comunidades devem se unir, e não se dividir", disse o ministro de Redução de Emissões à Reuters, por e-mail, em razão de sua agenda de combate ao fogo no estado de Nova Gales do Sul.
O governo de Canberra argumenta que ampliar os esforços de redução das emissões dos gases de efeito estufa afetaria a economia, especialmente as exportações de carvão e gás. Em 2019, a Austrália superou o Qatar e se tornou o maior exportador de gás natural liquefeito.
"Na maioria dos países, não seria aceitável adotar políticas de redução de emissões que aumentem substancialmente o custo de vida, destruam postos de trabalho, reduzam o lucro e impeçam o crescimento. Essa é a razão pela qual não adotaremos as metas sem base econômica, que destruiriam nossa economia, propostas pelo Partido Trabalhista (de oposição)", escreveu Taylor em um artigo publicado no The Australian, um dos principais veículos australianos.
O ministro não detalhou, no entanto, como a redução de emissões aumentaria o custo de vida. A resposta foi direcionada às críticas recebidas pelo país na 25ª Conferência sobre o Clima das Nações Unidas (COP-25). A Austrália, junto do Brasil e dos Estados Unidos, foi tida como um dos principais obstáculos à definição de um consenso em torno dos mercados de carbono.
Em meio ao debate, a população tem criticado que, em razão de um vácuo na política energética do país, o preço da energia subiu vigorosamente nos últimos anos. O peso foi sentido pela renda familiar, embora produtores de energia estejam gradualmente aderindo a fontes renováveis, que são mais baratas.
Grupos ambientalistas avaliam que o país só atingirá suas metas de redução de emissões se contabilizar, como deseja o governo, créditos de carbono a partir do Protocolo de Kyoto, assinado em 1992.
Além disso, cientistas alertam que as mudanças climáticas são um fator crucial no poderio dos incêndios florestais.
"Um dos pontos-chave da intensidade do fogo e da velocidade que ele se espalha é a temperatura. Na Austrália, acabamos de registrar recordes de temperaturas altas", explica Mark Howden, diretor do Instituto de Mudanças Climáticas da Universidade Nacional Australiana.
Os incêndios também representam prejuízo em dobro ao meio-ambiente, uma vez que aumenta a quantidade de carbono expelido na atmosfera que, por sua vez, demorará décadas para serem repostas na natureza, lembra David Homles, diretor do Centro de Pesquisas de Comunicação das Mudanças Climáticas da Universidade Monash.
Pep Canadell, diretor do Global Carbon Project, estima que 350 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) tenham sido liberados na atmosfera em razão dos incêndios. O número, estimado com base em satélites da Nasa, a agência espacial americana, é equivalente a dois terços das emissões australianas.
O líder do Partido Trabalhista australiano, Anthony Albanese, compartilhou nas redes sociais uma carta escrita em 22 de novembro na qual encorajava o premier a agir para prevenir desastres.
"A temporada de incêndios está começando mais cedo e terminando mais tarde, e referências em emergências concordam que os eventos climáticos extremos só aumentarão na gravidade e a frequência em razão das mudanças climáticas", escreveu Albanese.
Nesta terça-feira, bombeiros aproveitaram uma trégua nos termômetros para fortalecer linhas de contenção do fogo em diferentes regiões atingidas pelo fogo. As áreas atingidas já ultrapassam a marca de 10,3 milhões de hectares — o equivalente à área da Coreia do Sul — desde setembro.
Duas pessoas que eram tidas como desaparecidas no estado da Nova Gales do Sul foram encontradas com vida. Na próxima quarta-feira, 48 bombeiros dos Estados Unidos devem chegar à Austrália e se juntarão aos 39 agentes americanos que já atuam no país. No mesmo dia está prevista a chegada de 18 especialistas em desastres dos EUA e do Canadá.
Segundo Morrison, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, também ofereceu ajuda à Austrália, mas não deu maiores detalhes. O premier participou nesta terça-feira do funeral do brigadista Andrew O'Dwyer, que morreu junto do colega Geoffrey Keaton após o caminhão em que estavam capotar após a queda de uma árvore queimada sobre o veículo.
Segundo as autoridades, 132 focos de incêndio ainda estão ativos em Nova Gales do Sul, enquanto o estado de Vitória, também no Sudeste australiano, registra 39. Mais de 1.900 residências foram destruídas em ambas as regiões administrativas. O prejuízo está estimado em 700 milhões de dólares australianos (cerca de R$ 1,9 bilhão).
Nas comunidades mais afetadas, alguns moradores voltaram para casa, enquanto as empresas de eletricidade gradualmente restauravam o fornecimento de energia. Em localidades mais afetadas, como a cidade de Cobargo, a recuperação levará muito mais tempo.
Há danos generalizados na infraestrutura que fornece energia da zona da subestação para os moradores de Cobargo", declarou a concessionária Essential Energy em nota. "As equipes de trabalhadores se locomovem em helicópteros para fazer os reparos necessários. Mas os cortes devem continuar", completou.
Enquanto isso, a polícia prendeu três pessoas por supostos saques nas áreas afetadas. O comissário de Serviços de Emergência, David Elliott, afirmou que uem tenta tirar proveito dos infortúnios alheios "deve esperar toda força da lei":
"Não estamos morando na Síria. Esta é a costa sul de Nova Gales do Sul".