Fotografia oficial dos Chefes de Estado do Mercosul, após reunião no Rio de Janeiro (Divulgação)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 10 de dezembro de 2023 às 08h01.
A Cúpula do Mercosul marcada para o Brasil na semana passada seria o momento de ratificar um acordo comercial com a União Europeia, que foi adiado mais uma vez. A assinatura daria uma revigorada no bloco, que chegará a 2024 com outras duas questões grandes a lidar: o novo governo argentino e o risco de guerra na América do Sul.
No encontro desta semana, o bloco teve três avanços: firmou um acordo de livre comércio com Singapura, formalizou a entrada da Bolivia e anunciou um plano de investimentos capiteneado pelo Brasil, chamado “Rotas para a Integração”, que vai investir R$ 50 bilhões em obras de infraestrutura nos países da América do Sul.
Dias após a vitória de Milei, sua futura chanceler, Diana Modiano veio ao Brasil e disse querer assinar o acordo do Mercosul com a União Europeia "o quanto antes". O gesto foi entendido com um sinal claro de que o novo presidente não pretende sair do bloco ao tomar posse.
Para Lia Vallis, coordenadora de Estudos de Comércio Exterior no Ibre-FGV, a necessidade de apoio de Milei junto a outros partidos, especialmente da coligação Juntos por el Cambio, do ex-presidente Mauricio Macri, deve conter movimentos mais bruscos.
"A força do Milei depende de outros grupos, especialmente da parte do Macri, que defendia uma reforma do Mercosul, uma revisão da tarifa externa comum, mas não um rompimento", afirma Valls. Ela aponta ainda que o novo presidente é alvo de pressão dos empresários argentinos para não dificultar os negócios com o exterior.
A outra questão é o risco de guerra na América do Sul. A Venezuela tem ameaçado tomar mais da metade do território da Guiana, em uma crise que está em andamento. No domingo, 3, o governo de Nicolás Maduro fez um plebiscito no qual diz que 96% dos eleitores da Venezuela que compareceram às urnas votou a favor da anexação. Nos dias seguintes, Maduro assinou decretos e fez discursos defendendo o que considera o direito da Venezuela de se apossar da área vizinha.
Na Cúpula do Mercosul, Lula disse que o "Mercosul não pode ficar alheio", mas pediu o tema não contamine a agenda da integração regional,
O presidente sugeriu ainda que a Celac, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, deve dialogar com os dois lados do conflito e se colocou à disposição para receber as reuniões em Brasília. "Vamos tratar esse assunto com muito carinho porque o que não queremos na América do Sul é guerra, não precisamos de conflito, precisamos construir a paz", disse.
O acordo do Mercosul com a União Europeia é negociado desde 1999. Em 2019, um tratado foi fechado, mas ele ainda precisa ser ratificado.
O chanceler atual da Argentina, Santiago Cafiero, disse que as restrições à produtos agrícolas são o principal entrave ao avanço das conversas. Para ele, o acordo "tem um impacto negativo na indústria do Mercosul, sem reportar benefícios para as suas exportações agrícolas, que são limitadas por cotas muito restritivas e sujeitas a regulamentações ambientais unilaterais que as expõem a vulnerabilidades futuras", disse, à AFP. Ele deixa o cargo neste domingo.
"O Brasil tem um agronegócio muito competitivo internacionalmente, e a França é muito reticente a isso. O governo francês é muito dependente do apoio do campo para sua sustentação política, sobretudo no Congresso. Então, a França sempre foi um país muito protecionista dentro dessas negociações", diz Ivan Filipe Fernandes, professor de políticas públicas da UFABC e pesquisador do Cebrap.
Na quinta, dia 7, o chanceler do Brasil, Mauro Vieira, disse esperar que o acordo possa ser fechado até fevereiro de 2024. Os dois blocos divulgaram nota dizendo que houve "avanços consideráveis" nas negociações e que esperam chegar a um acerto em breve.
Formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, o Mercosul seria a 8ª maior economia mundial, com PIB de US$ 2,86 trilhões, caso fosse um país. Em 2022, o Brasil exportou US$ 21,7 bilhões para países do grupo e importou US$ 18,5 bilhões, gerando superávit de US$ 3,2 bilhões.
Cerca de 90% das exportações foram compostas por produtos manufaturados. As trocas dentro do bloco cresceram mais de dez vezes desde sua criação, evoluindo de US$ 4,5 bilhões, em 1991, para US$ 46 bilhões em 2022.
Um relatório da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe da ONU), no entanto, aponta que o crescimento do volume de exportações do bloco na última década, de 2,1%, ficou abaixo da média global, de 2,8%. "O desempenho das vendas externas do Mercosul depende do impacto dos preços dos produtos internacionais e das condições climáticas, refletindo assim a vulnerabilidade resultante de uma inserção externa altamente concentrada em recursos naturais em todos os países do bloco", aponta o estudo.