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Melhor forma de EUA liderar IA é com inovação, e não sabotar rivais, diz professor da UCLA

Professor e pesquisador, John Villasenor aponta que caso da DeepSeek deve acelerar avanços da tecnologia também pelas empresas americanas

Logos dos aplicativos DeepSeek e ChatGPT (Joel Saget/AFP)

Logos dos aplicativos DeepSeek e ChatGPT (Joel Saget/AFP)

Publicado em 1 de fevereiro de 2025 às 06h01.

As medidas dos Estados Unidos para tentar conter o avanço da China em tecnologias de ponta, como a inteligência artificial, acabou tendo um efeito inverso. Com a falta de acesso a chips e computadores ultrarrápidos, os engenheiros chineses buscaram outras alternativas, e criaram modos mais baratos de treinar a IA.

"A escassez acabou por fomentar a inovação", diz John Villasenor, professor de engenharia elétrica e políticas públicas na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e pesquisador de inteligência artificial, em conversa com a EXAME.

Além de professor, Villasenor é membro de dois importantes think tanks americanos, o Brookings e o Council on Foreign Relations. Ele também trabalhou em pesquisas na Nasa e deu depoimentos técnicos ao Congresso americano.

Na entrevista, ele analisa os efeitos do caso da DeepSeek, empresa chinesa que disse ter encontrado meios muito mais baratos de treinar serviços de inteligência artificial, o que fez com que empresas americanas perdessem cerca de US$ 1 trilhão em valor de mercado em poucas horas.

"O acesso a grandes quantidades de poder computacional é bom em alguns aspectos, mas reduz o incentivo para realmente inovar na criação de formas mais eficientes de desenvolver IA. Isso mostra que há oportunidades, inclusive em países e empresas que não possuem o mesmo nível de recursos computacionais", afirma.

Para ele, a aposta precisa estar na inovação. "A melhor forma de os EUA se manterem na liderança global da tecnologia de IA não é tentando sabotar rivais, mas sim investindo internamente e criando um ambiente regulatório que realmente fomente a inovação", diz.

Leia a entrevista com John Villasenor, da UCLA:

Que lições o caso DeepSeek traz sobre o avanço da tecnologia no momento atual?

O DeepSeek é um caso muito interessante porque mostra que você não precisa necessariamente ter acesso às maiores estruturas de computação do mundo para desenvolver bons sistemas de IA. E há a questão da escassez. A China está sujeita a controles rígidos de exportação de chips, o que cria uma escassez. Mas essa escassez gera inovação. Os engenheiros na China foram forçados a inovar de outras maneiras, porque não têm o mesmo acesso aos chips mais avançados que existem nos Estados Unidos. Há uma lição nisso para a indústria de IA em geral. O acesso a grandes quantidades de poder computacional é bom em alguns aspectos, mas reduz o incentivo para realmente inovar na criação de formas mais eficientes de desenvolver IA. Isso mostra que há oportunidades, inclusive em países e empresas que não possuem o mesmo nível de recursos computacionais que, por exemplo, uma Amazon.

O caso mostra que países com menos recursos, como o Brasil, poderão ter mais avanços significativos em IA?

O Brasil é uma economia enorme, com um potencial incrível. O Brasil está bem posicionado por vários motivos. Um deles é, obviamente, sua grande economia e o alto potencial de investimento em IA, mas também pelo capital humano. Há muitos engenheiros extremamente talentosos no Brasil. Quando há investimento e talento em engenharia, há uma boa posição para avanços em áreas como a inteligência artificial.

Como esse caso mudou o cenário da competição entre os EUA e a China? Foi de fato um "momento Sputnik"?

Mudou de algumas formas. Primeiro, os Estados Unidos continuam sendo o líder global em IA. Se olharmos para as empresas, o nível de investimento e de capital humano, há um ecossistema incrivelmente forte de IA nos Estados Unidos. Mas o que essa notícia do DeepSeek destaca é que os EUA podem não estar tão à frente da China como muitos imaginam. A China é um país com enormes recursos financeiros para investir em IA e muito talento em engenharia. Eles estão trabalhando duro para avançar seu próprio ecossistema de IA. O DeepSeek é um exemplo disso. Ele vai forçar as empresas americanas a elevarem seu nível também. Mas, em certo sentido, a competição é boa, pois estimula a inovação. Então, globalmente, veremos mais avanços não só nos Estados Unidos e na China, mas também em outros países, incluindo o Brasil, que ajudarão a impulsionar essas fronteiras da IA. Acho que este é um momento empolgante para a IA.

Como o governo Trump poderá reagir a esse avanço da China?

Ainda é cedo. Estamos apenas na primeira semana e meia da administração Trump, então é difícil dizer. Mas uma coisa provável é que o governo Trump terá uma abordagem mais de "tirar as mãos" em termos de regulamentação do que a administração Biden. O governo Biden teve uma abordagem baseada no medo em relação à IA, criando regulações que pareciam ver a tecnologia como algo majoritariamente negativo, que precisava ser controlado. Já o governo Trump parece ter uma abordagem mais equilibrada para a regulamentação da IA, reconhecendo seu enorme potencial, mas, claro, entendendo que, como qualquer tecnologia, pode ser usada de forma indevida. Estou otimista de que o governo Trump terá políticas muito boas para promover a inovação em IA.

Trump fez muitos discursos prometendo conter o avanço da China. Como ele poderá tentar fazer isso na prática?

Esta questão não é exclusiva do govero Trump. O governo Biden, por exemplo, também trabalhou nessa direção. A ideia de controle de exportação em relação à IA foi algo em que o governo Biden esteve muito ativo, criando regras para bloquear o acesso da China aos chips mais avançados. Mas os avanços do DeepSeek mostram que essas medidas podem não ser tão eficazes quanto se esperava.

Por quê?

Há três razões para isso. Primeiro, há um mercado clandestino para esses chips, então, muitas vezes, pessoas que vivem em áreas sob controle de exportação ainda conseguem acesso a eles. Em segundo lugar, você não precisa fisicamente de um chip para usá-lo; pode utilizá-lo remotamente, a milhares de quilômetros de distância. Esse é um possível buraco nas regras de controle de exportação mais antigas. E, em terceiro lugar, como estávamos falando, se você não tem muito poder computacional, isso pode forçá-lo a inovar de outras formas. Considerando esses três fatores juntos, a China continuará sendo uma força formidável em IA.

Como os EUA podem buscar uma retomada nesta competição?

A melhor forma de os EUA se manterem na liderança global da tecnologia de IA não é tentando sabotar rivais, mas sim investindo internamente e criando um ambiente regulatório que realmente fomente a inovação. Isso tende a ser mais eficaz do que simplesmente tentar dificultar o progresso da China.

As empresas americanas de IA farão mudanças significativas de estratégias?

Elas provavelmente irão redobrar seus esforços para realmente avançar as fronteiras da IA, porque isso [o DeepSeek] é um tipo de grande mudança nas expectativas sobre o que é possível fazer com esses modelos. Há, sim, um certo replanejamento acontecendo, mas muitas partes da IA continuarão avançando como antes. Só que agora, as pessoas estarão ainda mais motivadas a desenvolver novas soluções o mais rápido possível.

O modelo de código aberto para ferramentas de IA ganhará mais força?

Sim, os modelos de código aberto são muito atraentes por razões óbvias, pois permitem que mais pessoas construam em cima deles. E os modelos de código aberto também têm uma vantagem inerente: se há um modelo de código fechado e um de código aberto, mais pessoas trabalharão no de código aberto, porque simplesmente podem acessá-lo. Acho que o código aberto tem um futuro muito forte na IA.

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