Para a Unctad, o gasto público pode estimular um “círculo virtuoso” nas economias que estão em recessão ou com baixas taxas de crescimento, como os países da UE (Ian Waldie/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 6 de setembro de 2011 às 14h59.
Brasília – O corte de gastos adotado por governantes de vários países para diminuir os impactos da crise econômica internacional podem não ter o efeito desejado e piorar a situação, especialmente onde não se pode contar com o crédito financeiro privado (bancos em movimento de restrição da oferta de empréstimos), nem com a demanda de consumo das famílias (já endividadas).
A análise faz parte do relatório anual sobre comércio e desenvolvimento global divulgado hoje (6) pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). A avaliação sobre a economia mundial considerou a situação de cerca de 200 países e não diz respeito à recente medida anunciada pelo governo brasileiro de usar R$ 10 bilhões para amortizar a dívida pública (visando à diminuição futura dos juros).
Para o economista argentino Alfredo Calcagno, da equipe da Unctad que elaborou o relatório, o gasto público pode estimular um “círculo virtuoso” nas economias que estão em recessão ou com baixas taxas de crescimento, como ocorre atualmente com os Estados Unidos, o Japão e países da União Europeia.
A recomendação da Unctad, entretanto, diverge das decisões que estão sendo tomadas pelos países ricos. Para Calcagno, aqueles países estão passando, antes da hora, de uma situação de estímulo fiscal para outra de restrição fiscal. “As economia desenvolvidas estão fazendo políticas para não crescer”, alertou o economista, em teleconferência transmitida de Paris para a sede da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal) em Brasília.
Calcagno destaca que a crise financeira de 2008 não foi causada pela perda de controle dos gastos públicos e diz que, ao contrário, “a situação fiscal era boa antes da crise”. Segundo ele, o aumento do déficit fiscal nos países desenvolvidos é consequência, e não causa. “Vamos atacar o sintoma, mais do que a doença”, aconselha.
Ele lembra que, no fim da década de 1990, o receituário de ajustes fiscais nos países em desenvolvimento, como o Brasil, afetou o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e o balanço das contas públicas. Para Calcagno, planos de ajuste afetam a arrecadação porque afetam o crescimento. O efeito é que o Estado perde dinheiro que poderia arrecadar e continua tendo dificuldades para pagar a dívida pública, que se imaginava diminuir com recursos captados com o superávit fiscal.
O economista argentino recomenda aos países que estão fazendo restrições “esquecer a regra de confiança no mercado financeiro”, que, neste momento, não tem crédito. Em vez das medidas de contenção, uma boa alternativa poderia ser, sem aumentar despesas, maximizar o efeito multiplicador dos ingressos fiscais e o Estado viabilizar mais recursos para os setores que podem consumir (expandindo a economia) e eliminar a redução de impostos para os mais ricos e diminuir os tributos dos mais pobres (mantendo calibradas as receitas).
O relatório da Unctad aponta ainda a falta de avanço na regulação dos sistema financeiro internacional e levanta a possibilidade de riscos especulativos; como, por exemplo, o que é feito com a negociação de commodities (produtos básicos como petróleo e minério de ferro) no mercado de ações. Com a especulação, os preços podem subir ou se depreciar rapidamente, expondo a riscos as economias exportadoras (como o Brasil) ou as que dependam do fornecimento.
O estudo alerta ainda para o desequilíbrio comercial entre os países, que voltou a crescer após o momento de crise em 2008. O risco é de que economias com maior capacidade produtiva, como, por exemplo, o Japão e a Alemanha, exportem mais e gerem efeitos de desindustrialização. Calcagno recomenda que se verifique se o aumento das importações pelos países em desenvolvimento está ocorrendo por causa da taxa de câmbio que valoriza a moeda, por problema de crédito ou por causa de concorrência desleal.