Mineiro participa de greve na África do Sul: para o jornal local "The Sowetan", o massacre de Marikana significa que uma "bomba-relógio deixou de fazer tic-tac e explodiu" (Stringer/AFP)
Da Redação
Publicado em 17 de agosto de 2012 às 16h19.
Marikana - A morte nesta quinta-feira de 34 mineiros em um confronto com a polícia na África do Sul causou comoção no país, que voltou a lembrar os momentos mais duros do antigo regime de segregação racial do apartheid.
A chefe da polícia sul-africana, Riah Phiyega, confirmou hoje as mortes, ocorridas durante protestos na mina de platina da empresa Lonmin, em Marikana, a cerca de 100 quilômetros de Johanesburgo, Além das mortes, 78 pessoas ficaram feridas.
Esta é a operação policial mais sangrenta que acontece na África do Sul desde 1994, quando acabou o apartheid. Ao todo, 259 pessoas foram presas pelos distúrbios de Marikana, precisou Riah em entrevista coletiva.
A chefe policial ressaltou que os agentes foram obrigadas a "usar a força para se proteger" quando os mineiros, com facões e armas de fogo, ultrapassaram um cordão de segurança.
Riah, que deu a ordem para o uso da força, mostrou imagens nas quais supostamente os manifestantes abrem fogo contra os policiais. Cerca de três mil trabalhadores em greve desde sexta-feira passada montaram um acampamento na mina de Marikana.
A situação na mina era tensa hoje, com um forte aparato policial no local. No hospital da região, dezenas de pessoas aguardavam para saber o estado dos feridos: "ainda não sabemos quem está ferido ou não. As pessoas não sabem o que ocorreu com seus familiares", disse à Agência Efe um mineiro que não quis se identificar.
"A polícia tinha instruções de disparar contra a gente. Havia algumas pessoas armadas, mas a maioria só carregava paus", relatou à Efe outro dos trabalhadores da mina.
A violência na mina de platina já tinha deixado dez mortos antes do massacre de ontem, entre elas dois policiais, dois seguranças e seis mineiros, tanto em choques contra a polícia como entre disputas entre sindicatos rivais.
A Associação de Trabalhadores da Mineração e da Construção (AMCU), que convocou a greve em Lonmin para exigir melhores salários, briga com a União Nacional de Mineros (NUM), o maior sindicato do país, para conquistar um maior número de filiados.
"Estamos muito tristes pelas mortes, que poderiam ter sido evitadas", disse o secretário-geral da NUM, Frans Baleni.
A gravidade dos distúrbios forçou hoje o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, a interromper uma viagem a Maputo (Moçambique), onde participaria da cúpula da Comunidade para o Desenvolvimento da África Meridional (SADC), para retornar ao seu país.
Em comunicado oficial, Zuma se declarou "comovido e consternado por esta violência sem sentido" e defendeu "a ordem democrática para resolver qualquer disputa, sempre mediante o diálogo sem violência e sem o descumprimento a lei".
A resposta policial suscitou críticas de partidos políticos e associações civis, que pediram uma investigação do fato. A tragédia foi comparada com massacres ocorridos durante o apartheid.
O Congresso Nacional Africano (CNA), ligado ao NUM e que está no poder desde que Nelson Mandela assumiu a presidência em 1994, defendeu uma "investigação exaustiva" sobre o caso e demonstrou sua consternação pela tragédia.
A Aliança Democrática (DA), principal partido da oposição, pediu aos sindicatos e à polícia que diminuam a tensão, e ressaltou que "as famílias da vítimas e toda a nação têm direito a saber o que se passou e por que ocorreu este banho de sangue".
A Lonmin, cujas ações chegaram a cair até 8% após o massacre, lamentou "profundamente" o fato, mas especificou que "é claramente um assunto de ordem pública, muito mais do que de relações trabalhistas".
A morte dos 34 mineiros reacendeu na África do Sul o fantasma da violência do apartheid e a lembrança do massacre de Shaperville, em 1960, quando 69 trabalhadores foram mortos.
O jornal local "Times" afirmou hoje que as imagens de Marikana "são horrivelmente familiares" e "parecem vir daquele passado da África do Sul no qual os choques entre a polícia e a população civil eram frequentes, mas esta já não é mais a época do apartheid".
Dezoito anos depois do fim do regime, a situação política na África do Sul é distinta, mas muitos trabalhadores negros, como os mineiros, seguem excluídos dos benefícios da primeira economia emergente da África e vivem em condições precárias.
Para o jornal local "The Sowetan", o massacre de Marikana significa que uma "bomba-relógio deixou de fazer tic-tac e explodiu".