MARK ZANDI: economista alerta para o início do fim de um ciclo de prosperidade nos Estados Unidos / Divulgação
Da Redação
Publicado em 26 de outubro de 2016 às 16h24.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h59.
Camila Almeida
O presidente Barack Obama passou oito anos à frente da maior economia do mundo. Quando assumiu a presidência dos Estados Unidos, em 2009, o país estava sofrendo os efeitos da crise do mercado financeiro, iniciada pela quebra do banco de investimentos Lehman Brothers e provocada pelo estouro da bolha imobiliária americana. Agora, após quase dez anos de retomada do crescimento, já é possível esperar por uma nova crise – mesmo que boa parte do mundo ainda nem tenha se recuperado. É o que prevê Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics, braço de pesquisas da agência de classificação de risco. Em entrevista a EXAME Hoje, Zandi falou sobre a gestão de Obama, sobre a elevação na taxa de juros e sobre os motivos para uma nova crise já despontar no horizonte, apesar da atual tranquilidade americana.
O FMI está otimista com os Estados Unidos para 2017. Apesar de a previsão de crescimento do PIB para este ano ser de 1,6%, a expectativa é de que o crescimento chegue a 2,2% no ano que vem. De onde vem essa esperança?
O mercado de trabalho americano está muito forte. A economia está criando muitos empregos, está no curso da universalização. Tudo parece bem. Tem um recorde na oferta de vagas, as pessoas estão muito confiantes, pegando novos financiamentos. As dinâmicas estão muito positivas e acho que isso é o que sustenta o crescimento para o ano que vem. Mas essa estabilidade também significa que o modo como essa economia cresce está atingindo seu pico – e a criação de novos empregos é justamente a chave para dar estímulo ao consumo, que é o motor da economia americana.
Como o senhor avalia estes oito anos da gestão Obama? E qual foi a principal lacuna?
Ele fez um trabalho muito bom. Obama se tornou presidente em janeiro de 2009, quando a economia perdeu 800.000 empregos – um dos piores meses da história da economia americana. Agora, oito anos depois, o país está criando centenas de milhares de empregos todos os meses. É difícil de negar que ele tenha feito um ótimo trabalho. A principal lacuna é em relação à distribuição de renda. Pessoas em grupos de baixa renda não evoluíram tão bem quanto as de melhor renda nos últimos anos. Essa desigualdade tem se agravado e continua um problema. Ainda há muito a fazer, mas ele fez bastante e já colhemos os resultados disso. A economia está em excelente forma.
Especialistas têm relacionado a popularidade de Donald Trump à insatisfação da classe média, que não está sendo contemplada pelas oportunidades criadas. Há motivos reais para a insatisfação desse grupo?
É intrigante essa questão. Porque os grupos de renda alta estão, sim, fazendo riqueza. Mas as classes mais baixas viveram um período muito longo período de perspectivas escassas – e não têm aproveitado plenamente os benefícios da recuperação da economia. Só agora que essa classe média está começando a ver essas vantagens. O fato é que nem todo mundo está se beneficiando desse momento de bonança e isso se reflete na popularidade de Trump, sim.
Qual o impacto que o próximo presidente eleito vai causar à economia do país?
Existe uma grande diferença no impacto que os dois candidatos na disputa podem causar. Hillary Clinton representa o status quo e a continuação das políticas que Obama vêm perseguindo. Uma reforma na imigração será um ponto chave, assim como um ajuste fiscal e maiores investimentos em infraestrutura, educação e saúde. Ela representa a continuação de políticas que acredito estarem caminhando no rumo certo. Donald Trump, por outro lado, é muito rígido em relação à imigração, tem prometido deportar os imigrantes que não estejam documentados (e são cerca de 11 milhões), quer renegociar a NAFTA [acordo de livre-comércio dos Estados Unidos com a América do Norte], vai tentar promover cortes muito profundos de impostos, especialmente para grupos de alta renda, e isso resultaria num grande déficit. São políticas que acredito que moveriam a economia na direção errada.
Há muitos meses a Reserva Federal, o Banco Central americano, vêm falando sobre aumentar a taxa de juros, mas ainda não se movimentou nesse sentido. O senhor acredita que essa mudança acontece ainda este ano?
Acho que é a hora de começar a crescer a taxa de forma consistente. Estamos muito perto das metas de desemprego, de inflação, os mercados financeiros estão calmos, a economia global está estável. Temos todas as pré-condições para aumentar os juros. Não acho que isso será resolvido na reunião de novembro, porque é o mês das eleições e seria um movimento muito atrapalhado. Mas acredito que podemos esperar uma alta para dezembro. A Reserva Federal têm sido muito lenta para subir as taxas – eu preferiria que tivesse mais de agilidade nesse processo –, mas, sim, o momento está chegando.
No encontro de primavera do FMI, no início de outubro, o senhor participou de uma mesa sobre o futuro da economia americana, com um título que insinuava que “tudo que sobe desce”. Há uma recessão à vista?
Vai haver uma nova recessão, não num curto prazo, mas provavelmente nos próximos dois ou três anos pela frente. Estamos no positivo desde 2010. Possivelmente chegaremos num ponto em que nossa economia se mantém num movimento de expansão por dez anos consecutivos – será o maior período de expansão da economia da nossa história. Então, sim, podemos começar a pensar sobre recessão.
Por que essa recessão aconteceria, se, na sua opinião, todos os trabalhos tem sido consistentes e na direção correta?
Há as pré-condições para recessão. Uma tem a ver com confiança. que uma parte da economia já se mostra desbalanceada. Por exemplo, já há construções em excesso por parte do setor imobiliário, que pode provocar uma nova bolha. Isso tem a ver com a psiquê humana, especialmente nas questões de mercado. As pessoas se tornam extra-confiantes, começam a tomar decisões de alto risco. A outra pré-condição tem a ver com os efeitos e a euforia que as mudanças nas taxas de juros provocam, com uma injeção de estímulo devido a melhores taxas de retorno e à queda na inflação.
O que é possível fazer para minimizar os efeitos dessa crise, já que o mundo inteiro sofre as consequências de uma recessão nos Estados Unidos?
Uma das coisas que podem ser feitas – e já está em andamento – é adotar medidas de regulação. Se o mercado imobiliário está se tornando excessivamente aquecido, muito especulativo, é possível lançar diretrizes para os bancos para que sejam mais cauteloso nos contratos de financiamento. Antes da Grande Recessão, a Reserva Federal fez essa ponderação em relação às hipotecas. Agora, depois da crise, acho que os bancos tendem a ser bem mais agressivos para não cair novamente em desequilíbrio. O sistema financeiro se tornou mais preparado para lidar com esses riscos e implementaram políticas de gerenciamento que os impeçam de cair nos mesmos erros que cometeram no passado.