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Marfim e morte — o fim dos elefantes está próximo

Esses animais majestosos não morrem mais de velhice, eles padecem nas mãos dos homens — e a um ritmo alucinante, revela o maior censo de elefantes já realizado

Censo: numa demonstração de esforço hercúleo, pesquisadores fazem a maior contagem de elefantes da história. (Thinkstock)

Censo: numa demonstração de esforço hercúleo, pesquisadores fazem a maior contagem de elefantes da história. (Thinkstock)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 2 de setembro de 2016 às 15h37.

Última atualização em 5 de abril de 2021 às 16h40.

São Paulo - Majestoso e pacífico, o elefante é venerado como totem em várias culturas da Ásia e da África, traduzindo poder, dignidade, sabedoria, força e prosperidade. A adoração é tamanha que suas grandes e enormes presas brancas de marfim são transformadas em talismãs, amuletos de sorte e esculturas religiosas, artigos vendidos a preço de ouro no mercado negro. Por tudo isso, milhares desses animais não morrem mais de velhice. Eles padecem nas mãos dos homens — e a um ritmo alucinante.

Antes da colonização europeia na África, existiam cerca de 20 milhões de elefantes nas savanas, segundo estimativas científicas. Esse número caiu para 1,3 milhão em 1979. Agora, o mais abrangente censo já realizado sobre a espécie pinta uma realidade ainda mais aflitiva: atualmente, restam apenas 352.271 elefantes-da-savana (Loxodonta africana) nos países estudados. Mantido o ritmo atual de declínio, de 8% ao ano, em 2025 serão apenas 170 mil elefantes, o que torna a extinção local praticamente certa.

Extermínio em massa

Numa demonstração de esforço hercúleo, 286 pessoas a bordo de 81 pequenas aeronovas sobrevoaram cerca de 463 mil km para realizar a mais extensa contagem de elefantes da história. Utilizando métodos de coleta de dados e validação padronizados, os pesquisadores determinaram com precisão o número e distribuição da grande maioria dos elefantes da savana africana, fornecendo uma base incrível para futuras pesquisas e análises de tendências. Keystone / Getty Images

Agosto de 1973: caçadores de marfim no Kenya cercam um elefante morto que teve suas presas removidas.

Os resultados finais do Grande Censo dos Elefantes (GEC, na sigla em inglês) mostram que a população de elefantes-da-savana diminuiu em 30 por cento (cerca de 144.000 espécimes) entre 2007 e 2014, principalmente devido à caça furtiva.

Oitenta e quatro por cento da população pesquisada foi avistada em áreas legalmente protegidas, enquanto 16 por cento estavam em áreas não protegidas. No entanto, um elevado número de carcaças foram descobertas em muitas áreas protegidas, o que indica que os elefantes não estão seguros nem mesmo onde deveriam estar.

"Se não podemos proteger a maior mamífero terrestre do mundo, o prognóstico para a conservação da vida selvagem como um todo é sombrio", diz Mike Chase, cientista líder do projeto e fundador de um grupo de conservação de elefantes com sede em Botsuana chamado Elefantes Sem Fronteiras.

O levantamento foi realizado durante três anos, em 18 países da África, representando 93 por cento dos elefantes- de-savana nesses países, e seus resultados foram publicados na revista científica PeerJ. Três países ficaram de fora: a Namíbia, que não quis participar do censo, o Sudão do Sul e a República Centro-Africana, ambos envolvidos em conflitos armados.

Orçado em US$ 7 milhões, esse projeto sem precedentes conta com financiamento do co-fundador da Microsoft e CEO da Vulcan, Paul Allen, que há mais de 20 anos também se dedica à conservação ambiental no continente africano.

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Reprodução lenta

Há duas espécies de elefantes na África. Elefantes-da-savana compõem a maioria em todo o continente. A outra, em menor número, é o elefante-da floresta, restrito às florestas tropicais.

Mesmo essa espécie sofre graves baixas em decorrência da caça furtiva: o declínio da população é estimado em 65 por cento entre 2002 e 2013, de acordo com um estudo conduzido pela Wildlife Conservation Society (WCS), também divulgado neste mês. Hoje, os elefantes-da-floresta habitam menos de um quarto da área que poderiam ocupar na bacia do Congo na África.

A vulnerabilidade desses animais é agravada pela lenta reprodução — ainda que a caça fosse controlada, demoraria cerca de 100 anos para que as espécies recuperassem as perdas sofridas na última década.

Ambos os estudos servirão como munição para os conservacionistas na batalha contra o comércio de marfim, um tema que será debatido durante a semana do Congresso Mundial de Conservação da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, em inglês), realizado em Honolulu, Havaí, entre 01 e 10 de setembro, e na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas, que começa no final do mês, em Joanesburgo.

Alguns países já se posicionam claramente contra o massacre. É o caso do Quênia, que recentemente realizou a maior queima de estoque ilegal de marfim apreendido da história. A investida buscou chamar a atenção da comunidade internacional para demonstrar o compromisso do país com o combate à caça furtiva, que ameaça levar à extinção não apenas os elefantes, mas também os rinocerontes na África.

REUTERS/Thomas Mukoya

Agosto de 1973: caçadores de marfim no Kenya cercam um elefante morto que teve suas presas removidas.

Humano virou sinônimo de perigo

O censo também teve o mérito de mostrar que os elefantes são capazes de identificar riscos criados pelos humanos.

O norte de Botsuana, por exemplo, é cortado por um corredor migratório de elefantes que atravessa países vizinhos, como a Angola e a Zâmbia. Durante a Guerra Civil Angolana, porém, os animais simplesmente evitavam passar pela região. Ao fim dos conflitos, eles voltaram a atravessar o país, mas abandonaram novamente a rota assim que a caça começou a crescer por lá. Hoje, eles basicamente se concentram em Botsuana, onde se sentem mais seguros.

Botsuana é um dos últimos redutos de elefantes-da-savana. Junto com a África do Sul e Zimbabwe, é responsável por mais de 60% de todos os elefantes computados no censo.

Lamentavelmente, essa segurança está ameaçada pela atividade ilegal de caça, que, como mostra o estudo, não reconhece fronteiras. Geralmente, um grupo de caçadores reúne de 10 a 12 homens, sendo dois deles atiradores profissionais egressos de forças armadas de países vizinhos, armados com artilharia pesada.

Thinkstock

Agosto de 1973: caçadores de marfim no Kenya cercam um elefante morto que teve suas presas removidas.

Diante das ameaças, o governo local se mobiliza. O combate aos caçadores mais se assemelha a uma guerra particular e nada convencional. A Força de Defesa do Botsuana (BDF) criou um batalhão especialmente treinado para a missão. São 700 homens ao todo espalhados por 40 bases e responsáveis por aplicar a sentença capital a todo e qualquer caçador — atirar para matar.

O mapa abaixo, produzido pelo GEC, mostra as tendências de redução ou aumento da população de elefantes ao longo dos últimos dez anos na África. As áreas em vermelho indicam declínio do número de elefantes maior que 5% ao ano; laranja é declínio de 2-5%/ ano; nas em amarelo, há uma variação para mais ou para menos de 2% / ano; as áreas em verde claro significam aumentam de 2-5% / ano e as em verde escuro, aumento superior a 5% / ano:

Agosto de 1973: caçadores de marfim no Kenya cercam um elefante morto que teve suas presas removidas. (Mapa das populações de elefantes segundo o Grande Censo dos Elefantes.)

Quanto vale um elefante?

A luta para preservar esses animais magníficos sustenta-se sobre vários pilares. O principal deles é, obviamente, o respeito à própria espécie, que assim como outros animais, tem direito a uma vida plena, cada um em seu universo particular. Outro aspecto importante é o papel fundamental que cada espécie exerce no frágil equilíbrio dos ecossistemas, sejam elas grandes ou pequenas. Quando uma espécie é extinta, não dá para substituí-la.

Muitas árvores, por exemplo, contam com eles para dispersar suas sementes, o que significa que um declínio contínuo no número de elefantes provavelmente causaria alterações significativas nesses ecossistemas.

A maioria dos governos entende esses dois pilares, mas se ainda restam dúvidas, há uma terceira razão, e essa fala a língua do dinheiro: elefantes vivos valem muito mais que elefantes mortos.

Os caçadores "lucram" pouco com a atividade ilegal, quem ganha mesmo são os intermediadores e as facções criminosas do mercado negro. Em compensação, os animais vivos em santuários ou parques nacionais rendem milhões de dólares através do turismo ecológico e de aventura.

Vivo, um único elefante pode contribuir com US$ 22.966 dólares para o turismo por ano, estima um relatório produzido pela ONG David Sheldrick Wildlife Trust, especializado em elefantes. Considerando que um único animal vive por mais de seis décadas, ele é capaz de gerar mais de US$ 1,5 milhão ao longo de sua vida.

Justificar a existência de um animal a partir de métricas monetárias beira o hediondo, mas no mundo político muitas vezes só as cifras falam mais alto. Se for para salvar os elefantes, que assim seja.

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