Mandela brinca com o pugilista americano Marvin Hagler, na Cidade do Cabo, em 1997: capacidade para assimilar golpes acompanharia Madiba pelo resto da vida (AFP)
Da Redação
Publicado em 6 de dezembro de 2013 às 13h36.
Paris - Nelson Mandela, boxeador na juventude e fã da seleção de futebol da África do Sul, utilizou o esporte para unir negros e brancos: criou a nação "arco-íris" ao vestir o uniforme da seleção de rúgbi, esporte mais simbólico da comunidade branca africâner e do apartheid.
"Sabia que, para seus carcereiros em Robben Island, o rúgbi era um tema recorrente de conversas. Isto tornava possível um contato com eles. Aprendeu tudo o que conseguiu sobre o esporte, todos os segredos e momentos-chave. E foi assim que começamos a conversar", contou em 2009 Christo Brand, um dos carcereiros, ao jornal The Telegraph.
Em 1995, quando a África do Sul acabava de sair completamente do regime de segregação racial, cinco anos depois de deixar a prisão e um ano depois de ter sido eleito presidente do país, Mandela compreendeu melhor que ninguém o interesse provocado no país pela organização da Copa do Mundo de rúgbi, primeiro grande evento no país desde o fim do bloqueio internacional.
A história é tão importante que inspirou o filme "Invictus", dirigido por Clint Eastwood e no qual Morgan Freeman interpreta Mandela.
Para os verdadeiros personagens do evento, a emoção permanece viva e muito real. Um gesto, acima de todos os outros, exemplificou a importância que "Madiba" dava ao esporte com fins políticos.
Pouco antes do apito inicial da final contra a Nova Zelândia, Mandela apareceu vestido com o uniforme "Springbok" (como a equipe de rúgbi sul-africana é conhecida), símbolo da comunidade branca. Em um dos gestos mais emblemáticos de sua carreira política, saudou um a um todos os jogadores diante dos 62.000 espectadores presentes no estádio Ellis Park, em sua maioria brancos.
"Não sabíamos que aconteceria daquele jeito. Quando Nelson Mandela apareceu no campo com a camisa Springbok, o público explodiu em júbilo. É a experiência mais assombrosa que vivi em um estádio de rúgbi", afirmou à AFP Laurie Mains, que foi técnico da seleção neozelandesa.
Até mesmo o ponta neozelandês Jonah Lomu, conhecido pelo jogo físico, admite o que aquele momento significou para a partida.
"Era como se a pressão mudasse completamente para o nosso lado, já que eles tinham Nelson Mandela".
Na juventude, Mandela praticou boxe durante uma década, um esporte no qual, "sobre o ringue, a idade, a cor da pele ou a riqueza não têm espaço", escreveu em sua biografia.
A capacidade para assimilar golpes acompanharia Madiba pelo resto da vida.
"Nos fez tomar consciência de que éramos os carcereiros de nossos irmãos e que estes são de todas as cores", afirmou Muhammad Ali, o maior boxeador de todos os tempos e uma figura vital na luta pelos direitos civis.
Em 2004, a África do Sul e Nelson Mandela celebraram um outro grande momento do esporte. "Madiba" não era mais presidente, mas como ícone da luta contra o apartheid entendeu bem seu novo papel e foi decisivo na atribuição da sede da Copa do Mundo de futebol de 2010 para seu país.
Mandela compareceu a Zurique em 25 de maio para apoiar a candidatura sul-africana na eleição da Fifa e o país derrotou Marrocos.
Mas Mandela não compareceu à cerimônia de abertura do Mundial após a morte de uma de suas bisnetas. Antes da final da Copa, no entanto, saudou os torcedores, em 11 de julho de 2010, no que seria sua última aparição pública.
Símbolo da luta pela liberdade, Mandela soube utilizar com maestria os vínculos entre os homens e o mundo do esporte.