Um em cada 100 moradores de Gaza morreram ao longo dos mais de 100 dias de conflito (Etienne De Malglaive/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 26 de janeiro de 2024 às 08h05.
As autoridades sanitárias de Gaza, sob controle do Hamas, elevaram no último domingo para 25.105 o número de mortos desde o início da operação militar israelense contra o território, lançada após os ataques terroristas cometidos pelo grupo terrorista no dia 7 de outubro de 2023. Cinco em cada dez mortos são menores de idade, três em cada dez são mulheres e dois em cada 10 são homens com 18 anos ou mais.
Isso significa que um em cada 100 moradores de Gaza morreram ao longo dos mais de 100 dias de conflito. Em uma cidade como o Rio de Janeiro, essa cifra equivaleria a cerca de 67 mil mortos.
É difícil encontrar números similares em outros conflitos recentes. Os números disponíveis, compilados pela ONU no projeto Cost of War (“O Custo da Guerra”), indicam que mais pessoas estão morrendo por dia do que morreram no Iraque (incluindo durante o pior período de combates no país), na Síria (contando a partir de 2014, quando houve a primeira grande ofensiva do Estado Islâmico e o início dos bombardeios da coalizão liderada pelos EUA) ou no primeiro mês de conflito na Ucrânia.
Outros conflitos, especialmente os do Iraque e da Síria, se estenderam por mais tempo, e somaram centenas de milhares de mortes ao longo dos anos. Em Gaza, os combates parecem estar apenas no começo, e sem perspectiva de fim.
Esse ritmo é o que fez com que em Gaza se alcançasse a “marca” de 10 mil mortes depois do primeiro mês de ataque. Na Ucrânia, levou um ano e meio para se atingir esse número, que só inclui os civis.
Isso se explica, em parte, porque a magnitude do ataque de Israel não tem precedentes. Jamais houve tantos bombardeios com vítimas civis em conflitos no Oriente Médio como foi registrado em outubro e novembro em Gaza e Cisjordânia: 1.614, quase todos em Gaza, de acordo com os dados do Projeto de Dados de Eventos e Localização de Conflitos Armados.
Israel parece estar aplicando a conhecida Doutrina Dahiya. Ela leva o nome de uma área dominada pela milícia Hezbollah no Sul de Beirute, bombardeada com intensidade depois do sequestro de dois de seus soldados, um evento que deu início à guerra de 2006.
Gadi Eizenkot, o então chefe do Estado-Maior que hoje integra o Gabinete de Guerra, a definiu dois anos depois como o “emprego de uma força desproporcional, causando um imenso dano” contra locais de onde se dispare contra Israel, que passam a ser considerados como “bases militares”, ou seja, alvos legítimos. No fundo, acredita-se que essa estratégia possa levar a população a uma rebelião contra o Hamas.
A consequência direta dos bombardeios é a destruição de Gaza. Cerca de metade dos edifícios sofreu danos ou está em ruínas, sendo que o número passa a até 84% no Norte do enclave palestino, segundo uma análise de imagens feitas pelo satélite Copernicus Sentinel-1.
Outra diferença em relação a guerras anteriores reside no emprego de inteligência artificial. O antigo chefe do Estado-Maior, Aviv Kojavi, apontava no ano passado que um novo sistema de dados gera 100 potenciais alvos por dia, quando antes eram gerados 50 por ano.
Entre os mortos na Faixa de Gaza não há forma de distinguir entre milicianos do Hamas e civis, mas os números de mortos apresentados pelas autoridades locais foram analisados e verificados em vários estudos científicos internacionais (como um realizado pela revista científica The Lancet). Além disso, chama atenção o elevado percentual de mulheres e crianças, que na maior parte dos casos não estão ligados ao grupo, atingidos pelos ataques.
Esses números também podem ser explicados pela demografia de Gaza, onde uma em cada duas pessoas tem menos de 18 anos: em uma constatação sombria, um bombardeio indiscriminado provavelmente matará pelo menos um menor de idade.
Os bombardeios não ocorreram apenas no Norte de Gaza, onde, em um primeiro momento, o Exército afirmou que erradicaria a presença do Hamas. Por volta de 25% das vítimas morreram em Rafah e Khan Younis, ao sul do rio Wadi Gaza, para onde as forças israelenses ordenaram que a população civil seguisse nos primeiros dias de guerra.
As autoridades da Faixa de Gaza, que estão publicando uma lista com nomes, sobrenomes e números de identidade dos mortos, calculam que pelo menos 7 mil pessoas estejam sob os escombros. A situação atual não permite estimar as mortes causadas por falta de cuidado médico (mais de 62 mil pessoas ficaram feridas), por fome (a maioria tenta obter ao menos uma refeição por dia) ou doenças causadas pelas péssimas condições sanitárias ou pelas semanas dormindo em barracas, à mercê dos meses mais frios.
(Com El País)