Apoiadores do presidente da Venezuela e candidato à reeleição, Nicolás Maduro, seguram cartazes em evento de campanha em Caracas (Venezuela) (Miguel Gutiérrez/EFE)
Agência de notícias
Publicado em 26 de julho de 2024 às 08h58.
Nas rinhas de galo, ainda habituais em bairros populares de Caracas e outras cidades da Venezuela, o chamado “galo pinto” (galo valente, em espanhol) é aquele visto com mais força e chances de ganhar. A imagem e fama desses galos inspirou a campanha do presidente Nicolás Maduro, que concorrerá pela segunda vez seguida à reeleição no próximo domingo. No último comício chavista antes da votação, na capital do país, músicas nas quais Maduro é chamado de “meu galo pinto” dominaram a cena e buscaram animar um eleitorado chavista que, embora insatisfeito com os resultados de seu governo, continua apoiando o herdeiro escolhido em vida pelo ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013).
A imagem do chefe de Estado como galo pinto foi pensada, comentam analistas em Caracas, após chegarem às mãos do presidente e seus assessores pesquisas qualitativas nas quais eleitores tradicionalmente chavistas afirmavam considerar Maduro "fraco". Ser visto como frágil é algo inconcebível para um líder chavista que, como dizem letras de outras músicas típicas de comícios de Maduro, devem enfrentar batalhas, derrotar o imperialismo e defender a pátria socialista.
Em sua terceira campanha eleitoral, Maduro incorporou palavras como futuro, evolução, transformação e mudanças. Mas continuam presentes os lemas herdados de Chávez e relacionados “à defesa do socialismo na luta contra o capitalismo" e da soberania nacional diante das “ameaças do imperialismo colonialista”. O eleitor chavista de 2024 preserva o decálogo construído por Chávez e incorpora as novidades que chegaram com o madurismo, sobretudo nos últimos anos, os mais desafiadores para o presidente venezuelano.
Num comício previsto para durar 12 horas e dividido em três pontos de encontro em Caracas, eleitores chavistas cantaram as músicas de Maduro vestindo camisetas com frases que lembram épocas passadas. Algumas dessas camisetas têm a imagem de Chávez, o líder eterno e de culto inabalável. Outras, que custam, em média, 5 dólares, refletem os novos tempos com frases como “Com Nico há futuro”, “Nico vai pra frente” e “Nico é meu candidato”, entre outras.
O governo de Maduro carrega nas costas índices muito baixos de popularidade — segundo algumas pesquisas, inferiores a 15% —, mas para muitos eleitores chavistas continua sendo a única opção. Por lealdade a Chávez, pavor da oposição ou ambos.
"A vida tá difícil, sim, mas confiamos em Nicolás, vai melhorar", comenta a vendedora ambulante Yubisay Rodríguez, de 25 anos.
Para ela, que tinha 14 anos quando Maduro foi eleito pela primeira vez, as conquistas sociais da autoproclamada revolução bolivariana são assunto de conversa com seus avós, numa típica família chavista.
"Nasci quando Chávez chegou ao poder e sei pelos meus avós que foi o primeiro presidente que olhou realmente para os pobres. Com a oposição, voltaremos a ser excluídos", diz Yubisay, enquanto vende uma pulseira que custa 1 dólar, valor que não é suficiente sequer para comprar um litro de óleo de girassol, vendido a 3,75 dólares (os preços estão em moeda americana, mas os produtos podem ser pagos em bolívares, fazendo a conversão) em supermercados de Caracas.
Os eleitores chavistas costumam argumentar que se a oposição vencer no próximo domingo terminará a chamada Quinta República, que começou com Chávez, e será iniciada uma Sexta República, que trará de volta os dramas da Quarta República, que se estendeu de 1958 até 1988. Nesse período da História venezuelana houve uma alternância de poder entre os partidos Ação Democrática e Copei, no chamado Pacto de Punto Fijo (Pacto de Ponto Fixo, em tradução livre). Os últimos 20 anos da Quarta República foram marcados por um processo de empobrecimento e desigualdade, que afetou, principalmente, os setores populares e que impulsionou o surgimento do chavismo.
Atualmente, mais de 50% da população venezuelana vive abaixo da linha da pobreza, mas eleitores chavistas como Carlos Padrón, um enfermeiro que trabalha num hospital, em suas palavras, “caindo aos pedaços”, afirmam que a culpa não é de Maduro e sim das sanções econômicas e do “imperialismo que nos boicota permanentemente”.
"Os dirigentes opositores são os responsáveis pelas sanções. Por eles estamos como estamos", assegura Carlos, de 32 anos, que votou por Maduro nas últimas duas eleições.
Para esses chavistas, a oposição jamais será uma opção. Pelo contrário, a oposição é sempre a responsável pelos males do país, e o chavismo a vítima de uma campanha permanente de boicote, dentro e fora da Venezuela.
O país enfrenta atualmente quase mil sanções implementadas por países como Estados Unidos e blocos como a União Europeia, usadas pelo chavismo para alimentar sua narrativa interna. Alguns dados econômicos também fazem parte da estratégia oficial, entre eles o de destacar que em maio passado o país registrou inflação de 1,5%, a mais baixa dos últimos 20 anos, de acordo com o Banco Central — depois de bater 189,8% em 2023.
Para muitos eleitores chavistas, “sem as sanções estaríamos muito melhor”, uma hipótese impossível de provar porque nada indica que a comunidade internacional vai aliviar as punições contra um governo que é investigado por supostas violações dos direitos humanos no Tribunal Penal Internacional (TPI).
Mas nada disso importa ao eleitor chavista. Sentada na calçada ao lado de seus filhos e alguns amigos, a costureira Usnavi González assegura que “somente com o chavismo nos sentimos tranquilos”.
"Na Quarta República, minha família passou fome. Hoje temos enormes dificuldades, mas o governo, apesar dos inimigos de fora, nos ajuda", afirma a costureira.
O analista político Oscar Schemel, explica que entre o chavismo e seus eleitores existe “uma comunidade emocional, e é compartilhada uma cultura política e uma identidade de classe”. Schemel é considerado um consultor chavista pela oposição, mas fontes opositoras confirmaram que o analista já andou conversando com o principal rival de Maduro, o diplomata aposentado Edmundo González Urrutia.
"O chavismo é quase uma religião, e isso explica por que, apesar do clima de descontentamento, muitas pessoas votarão por Maduro. Frente à ameaça da exclusão social, os chavistas se unem", aponta Schemel, diretor da Hinterlaces.
Em grupos focais com chavistas, o analista assegura que ainda são reconhecidas como conquistas sociais o respeito por parte do governo, a inclusão, a justiça social e a “opção pelos pobres”.
"O chavismo tem uma base sólida de 37% da população, e essa base costuma aumentar antes de uma eleição. Muitas coisas mudaram em 25 anos e o chavismo precisa refletir e se transformar, mas a conexão com seus eleitores ainda é forte", acrescenta o especialista.
No dia do encerramento das campanhas, Maduro apelou aos indecisos e disse ser o único que pode garantir a “paz social no país”. Também voltou a prometer mudanças e transformações. Analistas que conhecem bem o chavismo imaginam, em caso de uma segunda reeleição, mais abertura econômica, investimentos estrangeiros e busca de consensos com alguns setores da oposição — jamais com a líder opositora María Corina Machado.
Nas ruas, os eleitores do presidente pensam no dia a dia e acreditam que o pior já passou.
"Hoje tudo está mais caro, mas não falta comida. O que falta é trabalho, melhores salários. Aos poucos Nicolás vai dar um jeito", conclui o enfermeiro, que admitiu trabalhar em situação precária e, muitas vezes, sem os recursos necessários.