Venezuela: os confrontos entre manifestantes e as forças da ordem já mataram 75 pessoas (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
AFP
Publicado em 23 de junho de 2017 às 06h44.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, lançou poderosas figuras de seu governo como candidatos à Assembleia Constituinte, cuja eleição, em 30 de julho, enfrenta um repúdio crescente de opositores e chavistas dissidentes, em meio a onda de protestos, que nesta quinta-feira fez mais uma vítima.
Em plena escalada da crise, os confrontos entre manifestantes e as forças da ordem mataram nesta quinta David Vallenilla, 22 anos, que recebeu três tiros no tórax durante um protesto diante da base aérea deLa Carlota, em Caracas.
Maduro concluiu na quarta-feira as mudanças de gabinete para completar suas postulações à Constituinte, nas quais se destacam o deputado Diosdado Cabello, a chanceler Delcy Rodríguez e sua esposa, Cilia Flores.
"A Assembleia Nacional Constituinte vai e reconstruiremos a paz", garantiu Maduro nesta quinta-feira em entrevista coletiva.
Julio Borges, presidente do Parlamento, denuncia que "a Constituinte de Maduro foi feita como um terno sob medida [...], não vai resolver o problema das filas [que se formam pela escassez de alimentos], nem do custo de vida, nem da insegurança".
A Assembleia Constituinte também é rechaçada pela procuradora-geral, Luisa Ortega, que a considera um retrocesso nos direitos humanos e na democracia, e pela oposição, que a vê como uma fraude com a qual Maduro, dizem, pretende instalar um sistema como o cubano.
Os opositores realizaram uma passeata nesta quinta-feira em apoio à Ortega, chavista histórica hoje considerada "traidora" pelo governo por avaliar que a Constituinte viola o estado de direito.
Maduro declarou que Ortega "quer se meter na diatribe política porque tem aspirações de ser candidata presidencial da MUD". "Tem todo o direito de fazer isto, mas não pode se valer de umainstituição tão delicada" como a Procuradoria.
"É muito triste que no final do caminho (...) alguém termine a serviço dos verdugos do nosso povo", afirmou Maduro, que pediu a Ortega que "volte ao equilíbrio" pois o país "precisa de uma procuradora que faça justiça.
Nos protestos desta quinta-feira, militares lançaram bombas de gás lacrimogêneo contra os manifestantes no leste de Caracas, o que provocou violentos confrontos com jovens encapuzados.
Jornais locais divulgaram fotografias e vídeos nos quais se vê um membro da Guarda Nacional atirando contra David Vallenilla nas imediações da base militar de La Carlota.
Após a morte de Vallenilla, dirigentes da oposição convocaram os manifestantes a "trancar" as ruas de toda a Venezuela ao meio-dia desta sexta-feira, por duas horas.
"Que não reste uma rua, avenida, autoestrada livre. Vamos paralisar o país", disse à imprensa o deputado José Manuel Olivares em nome da opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD).
Em entrevista coletiva com correspondentes estrangeiros, Maduro ratificou, nesta quinta-feira, que o uso de tiros de cartucho para o controle da ordem pública está "proibido".
"A ordem é muito clara. Quem a violar, vai preso (...). A guarda e a polícia fizeram um esforço heroico e devem continuar fazendo, sem armas de fogo, sem escopetas, que estão proibidas, com água e o gás lacrimogêneo, que está permitido".
Desde 1º de abril, a atual onda de protestos já deixou 75 mortos e mais de 1.500 feridos.
Respaldado por decisões do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Maduro avança com seu projeto de Constituinte, que considera fundamental para devolver a estabilidade política e econômica ao país.
"Vão fazer história, história grande neste país", assegurou ao agradecer aos funcionários que deixaram seus cargos para lançar suas candidaturas à Constituinte.
Além de Cabello, Rodríguez e Flores, há a deputada e ex-ministra da Defesa Carmen Meléndez, o ex-vice-presidente Aristóbulo Istúriz e o ex-ministro e ex-governador Adán Chávez, irmão do falecido presidente Hugo Chávez.
Cabello, vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), é mencionado por setores da oposição como o futuro presidente da Constituinte, com a qual ampliaria ainda mais a sua influência que, segundo os especialistas, já é vista no governo, na Força Armada e nos aparatos de Segurança e de Inteligência.
A Constituinte irá reger o país por um tempo indeterminado como um "superpoder" e será composta por 545 legisladores, que, de acordo com a oposição, serão eleitos por um sistema "fraudulento" que garantirá o controle pelo governo.
"A Constituinte é para o PSUV, mas, sobretudo, para o 'madurismo', [e será] apenas um guia, uma desculpa para obter um maior poder de negociação, um refúgio para resistir", assegurou o cientista político Michael Penfold.
Mas os analistas advertiram que a iniciativa de Maduro, além de intensificar a crise, pode agradar a fissura aberta pela procuradora. "Provavelmente também acabará sendo um afiado 'boomerang' político", acrescentou Penfold.
Ortega, que denunciou que a Justiça é usada para "perseguir a dissidência política", enfrentará um possível julgamento depois que o TSJ aceitou um recurso do deputado da situação Pedro Carreño, que também pediu a sua destituição por "insanidade mental".
A procuradora lidera um grupo de chavistas que sustenta que Maduro "está destruindo o legado" de Chávez.
Penfold acredita que o governo está ameaçado à medida que "as fissuras dentro do chavismo e da esfera militar se aprofundam". Mas ainda não é certo que isto aconteça.
Esta semana, Maduro anunciou a renovação da cúpula da Força Armada e ratificou como ministro da Defesa o general Vladimir Padrino López, que lhe declarou "lealdade incondicional".